Título: Pacientes com HIV voltam a sofrer com desabastecimento de remédios
Autor: Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2011, Vida, p. A24

Três medicamentos para combater a infecção pelo vírus da aids estão em falta em partes do País, prejudicando quase 40 mil pessoas e atraindo críticas de médicos e ONGs; Ministério da Saúde reconhece o problema, mas nega que situação tenha virado rotina

Pacientes com HIV estão novamente às voltas com desabastecimento de remédios para conter a infecção. O atazanavir, droga da Bristol usada por 33 mil pessoas, está em falta em pontos localizados do País. Também foram registradas queixas de falhas na entrega do saquinavir, adotado na terapia de 800 pacientes, e da didadosina, droga usada por 3,7 mil pessoas.

Anteontem, diante dos estoques em baixa do atazanavir, o Departamento de DST-Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde divulgou nota técnica com orientações para médicos: substituição por outras drogas ou fracionamento da entrega, até a normalização da situação.

Muitos profissionais não esconderam a irritação com a nota, sobretudo pelo fato de não haver no documento uma justificativa para a falta do remédio. "O atazanavir é um medicamento importante. A substituição muitas vezes significa mais reações adversas e, sobretudo, um aumento de risco de abandono do tratamento pelo paciente", disse o presidente da Regional do Distrito Federal da Sociedade Brasileira de Infectologia, Alexandre Cunha.

Entre organizações não governamentais de pacientes, a reação também foi bastante negativa. "Esse problema está se tornando rotina. Em 2010, também no início do ano, registramos desabastecimento de medicamentos. Agora, a situação se repete. Isso traz um desgaste muito grande para quem está sob tratamento. A última coisa que o paciente precisa é de um ambiente de incerteza", disse o presidente do Fórum de ONGs de Aids de São Paulo, Rodrigo Pinheiro.

O presidente do Grupo Pela Vidda de São Paulo, Mario Scheffer, completa: "Isso revela má gestão. É inadmissível que, após tantos anos, o programa ainda apresente problemas de planejamento. Além disso, há uma total falta de transparência."

Sucessão de problemas. O diretor do departamento de DST-Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Dirceu Greco, atribuiu o desabastecimento do atazanavir a uma sucessão de problemas. "Não há uma justificativa única. Foi uma junção de atrasos, problemas que foram se somando", disse. O diretor negou que o desabastecimento esteja se transformando em rotina. "Falar isso de um programa que distribui 20 remédios para pacientes de todo o País é quase uma provocação."

No início do mês, um comunicado do departamento também alertou programas estaduais para possibilidade de falta de saquinavir e diadosina. A recomendação era também de que serviços "otimizassem" o estoque disponível, fizesse remanejamento com outros pontos de atendimento para assegurar o tratamento. O comunicado também dizia que, caso necessário, profissionais deveriam reduzir o remédio entregue para pacientes. O ideal seria fornecer o suficiente para 15 dias de tratamento.

De acordo com Greco, os problemas com saquinavir e diadosina já foram solucionados. Com relação ao atazanavir, o diretor afirmou que a situação deverá ser normalizada na próxima semana. "O produto já embarcou. A expectativa é de que ele chegue no Brasil amanhã (hoje) e que comece a chegar nos Estados a partir da próxima semana." Greco admite que falhas ocorreram. "Mas isso ocorre em todas as áreas, em todos os serviços. Estamos tendo a humildade de reconhecer o problema."

PARA LEMBRAR

Quatro drogas faltaram no ano passado

No ano passado, pacientes com aids enfrentaram a falta de quatro medicamentos: abacavir, lamivudina, nevirapina e a associação entre lamivudina e zidovudina. Na época, estimou-se que 176,1 mil pacientes tenham sido afetados pelo desabastecimento. A nevirapina e o abacavir são usados por 4,1 mil pessoas, entre elas 400 crianças. Calcula-se que 92% das pessoas em tratamento usam uma das drogas que faltaram em 2010. O programa nacional de combate à aids é considerado um dos melhores do mundo por organismos internacionais.