Título: A reforma cambial é mais difícil do que se pensava
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2011, Economia, p. B2

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, considera que, em função dos acontecimentos no Japão, é preciso adiar a reforma cambial. De fato, a crise em que mergulha o Japão pode repercutir sobre os fluxos de divisas no Brasil. No entanto, como as medidas anunciadas há algumas semanas não foram adotadas, é lícito pensar que o governo está diante de outros fatores que justificam adiar a mudança.

Existe, realmente, uma possibilidade de fuga do Brasil de capitais de investidores japoneses que, atraídos pela alta remuneração em nosso país, compraram títulos de renda fixa e ações de empresas brasileiras. Estimam-se entre US$ 70 bilhões e US$ 80 bilhões essas aplicações - parte das quais retornaria, diante das necessidades de reconstrução do Japão.

Por outro lado, sem falar das dificuldades que as exportações para o Japão deverão enfrentar com a paralisação de algumas unidades fabris, aquele país vai precisar aumentar suas importações de gás natural para alimentar termoelétricas que substituirão a energia fornecida, antes da catástrofe, por usinas nucleares.

Porém estamos no direito de perguntar se essas avaliações não são apenas um pretexto para justificar o adiamento de medidas relativas ao câmbio que, anunciadas muito antes dos acontecimentos no Japão, não chegaram a se concretizar.

Uma delas, o aumento do IOF sobre as entradas de capitais estrangeiros, por exemplo, seja por meio de debêntures emitidas por empresas nacionais, seja via Bolsa, leva a uma série de dúvidas, mesmo que dela ficassem isentos os Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs).

Essa incerteza tem raízes no efeito sobre o déficit das transações correntes do balanço de pagamentos, estimado já em US$ 65 bilhões, na última pesquisa Focus.

Os IEDs de US$ 42 bilhões não são suficientes para cobrir o déficit. Restringir a entrada de capitais na Bolsa é restringir a valorização das ações, indispensável para o dinamismo do mercado de capitais, e em particular as emissões de novas ações para aumento de capitais. Verificou-se, nos últimos meses, que diversas empresas emitiram no exterior debêntures para reduzir o custo dos empréstimos, operação que uma elevação do IOF tornaria impraticável.

Não se pode menosprezar também o efeito das importações sobre os preços ao consumidor no Brasil, num momento em que se procura reduzir as pressões inflacionárias.

Como se vê, uma reforma cambial enfrenta muitas dificuldades de formulação.