Título: O monopólio da Petrobrás no setor elétrico
Autor: Pires, Adriano
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/03/2011, Economia, p. B2

Na última década, a Petrobrás partiu para uma integração entre gás e energia elétrica, investindo na construção de um parque gerador que garantisse segurança energética para suas operações, bem como a comercialização de energia elétrica. Em 2004, a estatal deu início à aquisição de uma série de usinas termoelétricas. Segundo a direção da empresa na época, as aquisições visavam a terminar com contratos assinados durante o governo FHC, que lhe impunham custos e prejuízos elevados. Especializando-se, principalmente, em usinas termoelétricas abastecidas por sua produção própria de derivados de petróleo e, em especial, de gás natural, a Petrobrás, com capacidade instalada própria de mais de 5.500 MW em 2010, já ocupa a oitava colocação entre os maiores geradores de energia elétrica do País.

O movimento de transformação da Petrobrás numa empresa de energia, integrando negócios de eletricidade, petróleo e gás natural, assemelha-se ao adotado por outros grandes nomes do setor petrolífero que buscam obter ganhos de escopo e diversificar seu portfólio de produtos. O que preocupa, no entanto, é verificar que a sua expansão das atividades não está sendo acompanhada pelo aperfeiçoamento das instituições responsáveis pela regulação e defesa da concorrência no Brasil. Ao contrário, observa-se a perda de autonomia da Agência Nacional do Petróleo (ANP), cada vez mais submetida à tutela do Ministério de Minas e Energia. Diante desse quadro, a Petrobrás acaba se transformando num monopólio desregulado.

No setor elétrico, em especial, sua estratégia de expansão vem reduzindo as pressões competitivas na disputa pela construção de novas usinas termoelétricas, aumentando a insegurança das empresas que com ela competem e diminuindo o potencial de expansão dos investimentos privados. A energia das usinas termoelétricas a gás que contam com participação da estatal representa quase 72% do total comercializado por essa tecnologia de geração nos leilões de novas usinas realizados pelo governo.

Nesses leilões, o poder de mercado da Petrobrás influencia sobremaneira os resultados. Em primeiro lugar, por ser a proprietária do gás, a estatal não precisa apresentar contratos que garantam o fornecimento do combustível. Em segundo lugar, no caso de restrições no fornecimento de gás, a empresa pode substituir com rapidez o combustível por derivados de petróleo, já que produz e importa quase a totalidade desses produtos no País. Por fim, a Petrobrás pode criar barreiras à participação de concorrentes nos leilões, ao impor condições de preços elevados nos contratos de fornecimento aos competidores ou alegar indisponibilidade de gás ou de capacidade de transporte, para justificar sua negativa à celebração de contratos de fornecimento aos competidores.

A geração termoelétrica no Brasil será fundamental para atender à demanda de energia elétrica necessária para sustentar o crescimento econômico anual do País de 4% a 5% ao ano que se espera nesta década. A atual política do governo de construção de usinas hidrelétricas, com reservatórios com pouca capacidade de acumulação, tal como as que estão sendo construídas na Amazônia, requererá cada vez mais a complementação da geração térmica para acrescentar energia firme ao sistema elétrico. Nesse sentido, a geração termoelétrica a gás natural é mais adequada em razão do menor impacto sobre o aquecimento global dessa tecnologia, comparada às demais que utilizam combustíveis fósseis, e de seus relativamente menores custos de investimento e prazos de implantação.

Sendo assim, é de esperar maior participação das termoelétricas a gás natural nos leilões de energia elétrica promovidos pelo governo nos próximos anos, sobretudo diante da perspectiva de abundância de gás das descobertas do pré-sal. Entretanto, para que isso ocorra será necessário estabelecer regras que assegurem uma competição equilibrada entre os investidores privados e a Petrobrás, evitando assim que a estatal se estabeleça como um monopólio também no setor elétrico.

DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA (CBIE)