Título: Vale diz que decisão dos royalties é da Justiça
Autor: Samarco, Christiane; Andrade, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/03/2011, Negócios, p. B14

Ao contrário do que disse ministro Edison Lobão, a mineradora não reconhece dívida

A Vale não se recusa a conversar com o governo, mas, ao contrário do que anunciou anteontem o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, a empresa não reconhece a dívida de royalties reclamada pelos prefeitos e não vai desistir das ações que tramitam na Justiça. "É nossa opinião que, sem atropelos, o Judiciário vai decidir", disse o diretor jurídico global da mineradora, Fábio Spina.

Ao final de uma reunião com o presidente da empresa, Roger Agnelli, na noite de segunda-feira, Lobão disse: "A Vale está disposta a quitar a dívida dela". Spina, entretanto, deixou claro que, considerando o histórico da disputa com prefeitos e da pressão do governo federal, a empresa segue convencida que a solução para o impasse será dada pela Justiça. "Por mais boa vontade que todos tenhamos, a Vale tem seu conselho fiscal, assim como o governo tem o Tribunal de Contas. Ninguém pode fazer caridade com o dinheiro do acionista ou do contribuinte."

A Vale mantém a agenda para discutir com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), na próxima semana, as divergências em torno da cobrança dos royalties da mineração. A empresa decidiu romper o silêncio diante da pressão pública do governo para que reconhecesse a dívida de cerca de R$ 5 bilhões e negociasse o pagamento parcelado em até 60 meses.

Spina entende que não há débitos pendentes e, sim, pendências judiciais que vão determinar se a Vale deve royalties a Estados e municípios mineiros, baianos e paraenses.

Decreto de Getúlio. Na reunião da semana que vem, assessores técnicos e jurídicos da mineradora e do DNPM tentarão fazer uma espécie de encontro de cobranças que suscitaram nada menos que 158 autuações contra a Vale no período compreendido entre 1991 e 2009. Seis teses colocam governo e mineradora em lados opostos e a primeira delas refere-se ao prazo de validade dessas cobranças.

Para a empresa, mais da metade dos valores reclamados já caducou, levando em conta o decreto 20.910 de 1932, assinado por Getúlio Vargas. Em seu artigo 1.º, o texto estabelece que "as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim como todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for sua natureza, prescrevem em cinco anos".

O DNPM diz que o prazo de cobrança só prescreve em 20 anos - daí a pressa em cobrar logo demandas reclamadas desde 1991 -, mas o entendimento da Vale é outro. Para Spina, este prazo não se aplica aos royalties por que não se trata de imposto. Como a tal Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM, ou royalties), não passa de uma contribuição, os 20 anos de validade não seriam aplicáveis.

Soma-se a isso o fato de que o grosso da atividade da mineradora se dá no chamado Sistema Sul e todas as autuações do DNPM na região Sul-Sudeste datam de 1991 a 2004. A prevalecer a tese temporal da Vale, restarão apenas as reclamações referentes a Carajás, no Pará.

Fábio Spina diz que a empresa está preocupada com os "números inflados" de royalties que têm gerado em prefeitos e governadores expectativas de engordar o caixa com grandes cifras. Adverte que, nessa hora, sempre aparecem "consultores com soluções mágicas e comissões altíssimas" para iludir prefeituras.

O executivo faz questão de mostrar que o objetivo da mineradora é "trazer os números para a realidade", e não abrir uma guerra com o governo. "Não quero discutir com o DNPM, que é parceiro, dá as concessões e ajuda a Vale a crescer". Ao mesmo tempo, porém, ele diz que a lógica do DNPM nem sempre traduz a melhor interpretação jurídica e chama a atenção para o fato de que "alguns processos têm alguns problemas de apuração". Mas só insiste que não quer "ficar brigando com o DNPM pela mídia", já que "existe" o Judiciário. "Não podemos suprimir essa esfera no Estado democrático de direito em que a gente vive".

O DNPM foi procurado para comentar as avaliações da Vale, mas não respondeu. Há uma semana o Estado tenta conversar com o órgão sobre o impasse dos royalties, mas nenhum representante aceitou dar entrevista.

ROYALTIES: AS DIVERGÊNCIAS

Pelotas A Vale paga royalties na retirada do minério de ferro de suas jazidas e depois transforma o material em pelotas, que são vendidas para as siderúrgicas. O DNPM entende que a mineradora precisa pagar royalties sobre o valor de venda das pelotas porque elas seriam apenas um beneficiamento do minério, e não um produto industrial, como defende a empresa.

Dedução de tributos A Vale defende que os tributos incidentes na comercialização podem ser deduzidos da base de cálculo dos royalties, enquanto o DNPM só considera os tributos pagos. Dedução de transporte externo A Vale abate os custos com transporte de minério no pagamento de royalties. Como utiliza meios próprios, o valor abatido é a despesa que a empresa teve com o carregamento do minério em sua ferrovia. Para o DNPM, somente o gasto com frete, comprovado com a emissão de nota fiscal, pode ser deduzido.

Retroatividade de regras O DNPM editou uma norma em 2000 mudando alguns parâmetros na fórmula de cálculo dos royalties e determinou que essas regras seriam retroativas a 1991. A Vale defende que as mudanças só podem ser aplicadas a partir da data de publicação.

Vendas no exterior Na venda de minério para tradings no exterior, que revendem o produto para terceiros, a Vale considera como base de cálculo para os royalties o valor de transferência para a trading. O DNPM diz que é preciso considerar o preço final de venda do produto, fixado pela trading.

Prescrição A Vale entende que dívidas oriundas de contribuições, como os royalties, prescrevem em cinco anos, como fixado num decreto de 1932. O DNPM defende que a prescrição só acontece depois de 20 anos.

PARA ENTENDER

A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é devida por quem explora ou extrai recursos minerais. A compensação é calculada sobre o valor do faturamento líquido obtido com a venda do mineral. As mineradoras podem deduzir do valor a ser pago os tributos incidentes sobre a comercialização do mineral e as despesas de transporte e de seguro. Os recursos da CFEM são distribuídos da seguinte forma: 12% para a União (DNPM, Ibama e MCT), 23% para o Estado onde for extraída a substância mineral e 65% para o município produtor.