Título: Argentina barra sapatos e tratores brasileiros
Autor: Ogliari, Elder
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/03/2011, Economia, p. B7

Argentina barra sapatos e tratores brasileiros1.200 máquinas agrícolas e 870 mil pares de calçados esperam até 120 dias para entrar no país vizinho, pois as licenças de importação não são liberadas

Pelo menos 1.200 máquinas agrícolas e 870 mil pares de calçados estavam retidos ontem em depósitos e pátios de empresas brasileiras à espera de licenças de importação da Argentina.

Atrasos, que chegam até a 120 dias, colocam em risco os negócios de todo o ano. Agricultores argentinos podem perder o interesse na aquisição de equipamentos logo depois da safra da soja, que está no fim. E os compradores de calçados também, porque no ritmo atual, as coleções de outono e inverno tendem a chegar depois da estação.

O levantamento dos volumes retidos foi feito pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e pela Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). A maioria dos fabricantes brasileiros de calçados e máquinas agrícolas está localizada no Rio Grande do Sul.

Os empresários não têm conseguido obter explicações do governo argentino, nem por vias diretas nem por intermédio de autoridades brasileiras. Em 17 de fevereiro, Buenos Aires aumentou a lista de produtos que precisam de licença não automática para importação de 400 para 600 itens alegando necessidade de proteger a indústria local. O recurso é admitido pela Organização Mundial do Comércio (OMC), mas o prazo para a emissão da autorização é de 60 dias.

"Neste ano, nenhuma licença foi emitida", revela o vice-presidente da Anfavea, Milton Rego, admitindo que os negócios estão paralisados. Os contratos já feitos e emperrados pela burocracia argentina correspondem a US$ 150 milhões. O Brasil envia 7 mil tratores e 1.500 colheitadeiras por ano e, com esse volume, detém 80% do mercado argentino. A fatia é significativa para os fabricantes nacionais porque corresponde a 30% de tudo o que eles vendem para o exterior e a 5% de tudo o que produzem. "É legítimo um governo querer desenvolver sua indústria, o que não é legítimo é rasgar o acordo automotivo (do Mercosul, que não prevê as licenças não automáticas)", comenta Rego.

No caso dos calçados não há uma paralisação, mas o ritmo da emissão das licenças ficou tão lento que há remessas contratadas há 120 dias que ainda estão nos depósitos dos fabricantes. Considerando-se o preço médio de US$ 20 o par, cerca de R$ 17 milhões deixam de circular. Em 2010 o Brasil exportou 14 milhões de pares para a Argentina pelo valor de US$ 167,3 milhões.

Pior momento. O diretor executivo da Abicalçados, Heitor Klein, lembra que desde 2009, quando o Brasil concordou com a limitação dos embarques para a Argentina a 15 milhões de pares, não havia mais atrasos na emissão das licenças. Por informações de importadores, os brasileiros sabem que o governo argentino está trocando o sistema de emissão de licenças do manual para o informatizado. Esse poderia ser um motivo para o atraso."Se for isso mesmo, escolheram o pior momento", lamenta Klein.

Como nesta época do ano a indústria calçadista está remetendo para seus distribuidores do hemisfério sul as coleções de outono e inverno, a preocupação de todos é com a perda dos negócios da estação e também do futuro: "Se não disponibilizarmos o produto não perdemos só as vendas, mas também pedidos para as estações posteriores e sofremos prejuízos na imagem."

Uma das empresas que tem cargas à espera de liberação em seus depósitos é a West Coast, de Ivoti. "Neste momento 10% da produção voltada para a Argentina espera licença há 90 dias, 36% espera há 70 dias e 14% há 60 dias", calcula o gerente de exportações John Schmidt.

"Se não houver liberações até o final do mês o índice chegará a 96%", prevê. Sem citar valores absolutos, o executivo revela que 20% das exportações da empresa vão para a Argentina.