Título: Salários crescem mais que produção
Autor: Chiara, Márcia De
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2011, Economia, p. B1

Com sinais de estagnação rondando desde o segundo semestre de 2010, a indústria brasileira retomou a alta da sua folha de pagamentos no início de 2011 e já começa a levantar dúvidas em relação ao efeito sobre a produtividade. Na passagem de dezembro para janeiro, o tímido avanço de 0,2% da produção industrial foi acompanhado de alta de 5,1% na massa salarial, apesar do recuo de 0,1% nas vagas.

O avanço do custo de mão de obra na indústria foi registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) depois de uma queda acumulada de 4,4% nos dois últimos meses de 2010. Na comparação com janeiro de 2010, o índice é ainda mais expressivo: 7,1%. A taxa anualizada cresceu 0,4 ponto porcentual ante dezembro, atingindo 7,3%, nível mais elevado desde maio de 2005,

Em 2010, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), 91% dos trabalhadores da indústria tiveram aumento acima da inflação. Para o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rogério Souza, os acordos sindicais refletiram o forte ganho de produtividade (6,1%) do setor após a crise. No entanto, podem ter sido definidos com um horizonte que a produção não está confirmando.

"Não vai ser um problema se produzir e vender lá na frente", observa Souza. "A produtividade foi alta em 2010, mas com uma base de comparação baixa. O quadro não é favorável para a indústria, que precisa avançar mais na produtividade não só para competir, mas também para manter a alta de salários."

Para Souza, a retração de 2,6% acumulada na produção entre abril de 2010 e janeiro ainda não configura estagnação. A manutenção do nível de vagas no período aponta uma espécie de compasso de espera, mas a variação negativa de 0,1% no número de horas pagas entre dezembro e janeiro pode prenunciar redução das vagas.

Só um. O economista ressalta que o custo de mão de obra é apenas um dos fatores do cenário adverso da indústria, e não é o principal. Além do câmbio que favorece importados, cita infraestrutura deficiente, elevada carga tributária, alto custo do crédito agravado pela alta de juros e o aumento do preço de matérias-primas e energia. "Esse cenário, o custo Brasil, não muda."

Fernando Sarti, professor do núcleo de economia industrial da Unicamp, pondera que a alta da folha da indústria em um mês é pouco para configurar uma tendência. Mesmo assim, diz que o desempenho da indústria em 2010 deixou espaço para a recuperação dos salários.

"A atividade da indústria não está caindo. Há uma acomodação após um ano atípico. A análise sobre a produtividade é mais complexa", advertiu. "O salário não coloca a rentabilidade em risco. Comprimi-lo seria um tiro no pé, pois reduziria o dinamismo do mercado interno que favorece a própria indústria", afirma.

Roberto Messenberg, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a desaceleração do investimento no fim de 2010 é mais uma preocupação, já que a expansão de 1,2% do varejo em janeiro confirma a manutenção do consumo em alta.

"O consumo volta a crescer à frente do investimento, portanto, com baixa elevação da capacidade de produção. A oferta é suprida por importados e o setor de serviços em alta disputa profissionais com a indústria, que tem de pagar mais. A queda de produtividade é perigosa, limita ainda mais o investimento."