Título: Mercado de câmbio reage com exagero à crise no Japão
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2011, Economia, p. B14

ENTREVISTA - Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley

Os mercados globais de moedas estão reagindo "exageradamente" à crise que se abateu sobre o Japão, após o terremoto e o tsunami que devastaram o nordeste do país. A avaliação é de um dos maiores especialistas em câmbio do mundo, Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley e colunista do Estado. O dólar atingiu 76,5 ienes na mínima quarta-feira passada, uma queda de 7,6% em relação ao dia 10 de março, antes da tragédia. Na sexta-feira, a moeda se recuperou um pouco e fechou a 80,82 ienes, após intervenção maciça do Banco Central do Japão. O mercado acredita que os japoneses vão repatriar os recursos que investiram no exterior para a reconstrução.

Eichengreen, que foi assessor do Fundo Monetário Internacional (FMI), argumenta que o movimento de retorno de recursos não será tão forte, porque o BC japonês tem armas para lidar com a situação e evitar a alta excessiva do iene. E também porque, no médio prazo, as exportações japonesas vão diminuir, o que significa moeda mais fraca. Ainda assim, o especialista diz que é possível que os fluxos de capital que provocam o fortalecimento da moeda brasileira sejam atenuados no curto prazo. "Mas não vejo isso como algo ruim", disse. "Os exportadores brasileiros têm sido muito pressionados pelo real forte." A seguir, os principais trechos da entrevista concedida por e-mail:

Nos últimos dias, as bolsas de valores reagiram à tragédia no Japão com grandes perdas. Os investidores temem os impactos para a economia global. Os mercados estão exagerando ou as preocupações são justificáveis?

Os mercados estão reagindo às notícias negativas e à incerteza sobre o futuro. Não há nada que os investidores detestem mais que a incerteza. Se obtivermos mais informação sobre o que está acontecendo nos reatores nucleares no Japão danificados pelo terremoto, os mercados vão recuperar algumas de suas perdas recentes - na hipótese, claro, de as notícias não serem muito ruins.

O senhor acredita que os estragos no Japão terão um impacto nas cadeias de fornecimento da indústria ao redor do mundo?

As empresas são muita boas em encontrar substitutos para matérias-primas e componentes cuja entrega é interrompida por desastres naturais. A maior parte da contribuição do Japão para as cadeias de abastecimento global pode ser atendida por outros países. Só haverá efeitos significativos onde não há fontes alternativas de fornecimento. E isso ocorrerá apenas na minoria dos casos. Outro ponto que deve ser considerado é que empresas de outros países vão ter incentivo de fazer estoques das partes e peças cuja cadeia de suprimento foi interrompida. Esse investimento em estoques será um choque de demanda positivo que pode, parcialmente, compensar o choque de demanda negativo induzido pelo desastre.

A China pode ser seriamente afetada pelo desastre no Japão? Neste caso, quais seriam os impactos para a economia global?

Tudo depende de quão séria se tornará a crise nuclear japonesa. Se estivermos falando apenas do terremoto e do tsunami, eu diria que o impacto na China será mínimo.

Que países estão mais vulneráveis à crise japonesa?

Vocês estão certos de focar na China, porque esse país depende mais do que a maioria em componentes e máquinas especificamente feitas pelo Japão.

Os japoneses são grandes investidores no mercado de capitais, particularmente no Brasil. Essa tragédia pode significar uma corrida por repatriação desse capital? O fluxo de dinheiro japonês para outros países vai secar nos próximos meses?

No curto prazo, as companhias de seguros do Japão vão repatriar seus investimentos no exterior para fazer frente aos seus compromissos. O investimento no Japão vai aumentar, logo o país vai manter mais de sua poupança internamente. Vai ter de esperar para avaliar por quanto tempo essa mudança de comportamento vai durar.

Qual será o impacto para os mercados de moedas? Apesar dos esforços do Banco Central japonês, o dólar está se depreciando em relação ao iene. É uma tendência?

Estamos assistindo a uma valorização do iene no curto prazo, na expectativa de que a repatriação dos investimentos externos do Japão vai significar uma moeda mais forte. Mas o Banco Central do Japão está seguro de sua intervenção para conter essa tendência e tem capacidade para fazer isso. No médio prazo, as exportações japonesas vão diminuir e isso, por sua vez, vai significar um iene mais fraco. Você me perguntou antes se eu acho que os mercados de ações estão exagerando. Não estou seguro sobre isso, mas tenho certeza absoluta que os mercados de moedas estão exagerando.

A moeda brasileira está sujeita a essa tendência? Alguns especialistas dizem que o real é a moeda mais vulnerável nesse momento. Qual é a sua opinião?

O real vem sendo empurrado para cima por causa da pressão dos fluxos de capital. É possível que essa pressão diminua, pelo menos um pouco, por enquanto. Mas eu não vejo isso como algo ruim, na medida em que a variação seja gradual e moderada. Os exportadores brasileiros têm sido muito pressionados pelo real forte. Uma limitação moderada dessa valorização pode ajudar a aliviar a pressão sobre a margem de lucro dos exportadores.

No médio e longo prazo, a reconstrução do Japão vai incentivar a economia mundial? Qual será o tamanho do impacto?

Meu cenário base é que o impacto para a economia mundial será pequeno. Mas, repetindo, se a crise nuclear piorar, todas as apostas caem por terra.

O esforço de reconstrução do Japão pode significar mais inflação globalmente? Os Bancos Centrais têm motivo para se preocupar? Pode afetar a política monetária em países como o Brasil?

Como meu cenário base é que o impacto será pequeno para a economia mundial, não vejo muito efeito para a inflação, seja globalmente, seja no Brasil.

Os preços das commodities caíram por causa do receio de que a crise no Japão reduza a demanda. Mas, no médio e longo prazos, os danos nas usinas nucleares do país podem significar mais demanda por petróleo. Qual efeito prevalecerá?

Suspeito que os mercados de commodities, assim como os mercados de ações, estão reagindo em parte à incerteza sobre o que vai acontecer. Se a crise nuclear for controlada, espero um impacto pequeno nos mercados de commodities e de petróleo - seja positivo ou negativo.

QUEM É

O economista Barry Eichengreen é professor de economia e ciência política na Universidade da Califórnia. Entre 1997 e 1998, foi assessor do Fundo Monetário Internacional. Seu mais recente trabalho publicado é Exorbitant Privilege: The Rise and Fall of the Dollar and the Future of the International Monetary System (Privilégio Exorbitante: Ascensão e Queda do Dólar e o Futuro do Sistema Monetário Internacional)