Título: Relação Brasil-Portugal é de US$ 9,7 bi
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2011, Economia, p. B1

Exposição financeira de Portugal é maior no Brasil que em outros países europeus, como França, Alemanha e Itália, além dos Estados Unidos

A relação financeira entre Portugal e Brasil chega a quase US$ 10 bilhões. Dados obtidos pelo "Estado" no Banco de Compensações Internacionais (BIS) indicam que a exposição financeira de Lisboa são maiores no Brasil do que em outros países europeus, como França, Alemanha e Itália, além dos Estados Unidos.

No total, bancos estrangeiros mantém uma exposição de US$ 110 bilhões no mercado português, em linhas de crédito e empréstimos. O maior fornecedor de empréstimos aos portugueses são os bancos espanhóis, com um volume acumulado de risco no país de US$ 25,8 bilhões, segundo o BIS.

No total, o Brasil empresta e recebe US$ 9,7 bilhões de Portugal, somando tanto a atividade de bancos como outras instituições financeiras. Uma incapacidade do país de arcar com suas dívidas teria um impacto potencial direto nessas empresas. A França tem US$ 8,4 bilhões de exposição, ante menos de US$ 4 bilhões dos bancos alemães.

A exposição brasileira é superior a dos Estados Unidos, por exemplo, com empréstimos de apenas US$ 7,7 bilhões ao mercado português. Um valor equivalente é o tamanho da exposição de bancos britânicos em Lisboa.

Camuflagem. Se não bastassem esses problemas, a Comissão Europeia insinua que o governo português camuflou o tamanho do rombo em suas contas em 2010 para evitar um resgate e tranquilizar os mercados. O mesmo já havia ocorrido com a Grécia, que falsificou a apresentação de suas contas a UE, quando na realidade sabia que seu déficit era de 15% e impagável.

Os dados oficiais do governo português indicaram que a dívida pública fechou 2010 abaixo de 7% do PIB. Ontem, porém, a UE revelou que o valor não inclui os gastos da nacionalização do Banco Português de Negócios, resgatado pelo governo, nem empresas do setor de transporte. Somados esses gastos, o déficit poderia ser de 8,2% do PIB. Na prática, isso significaria que a tarefa do governo de cortar o déficit para 4,6% seria muito mais difícil do que Lisboa tentava convencer a mercado.

O escritório de estatística da UE, a Eurostat, já está em contato com a governo português para tentar superar as diferenças e estabelecer qual é de fato o nível da dívida do país.

Incertezas. Mas a UE não pode apenas culpar Portugal pelo caos. Ontem, o bloco decidiu adiar a criação de um fundo de resgate permanente, que seria estabelecido para socorrer paises em dificuldade e amenizar as turbulências na zona do euro. O mercado financeiro esperava um anúncio da modalidade do fundo entre hoje e amanhã, em Bruxelas. Mas a cúpula da UE optou por não se ver envolvida na polêmica, diante das diferenças de opinião entre os membros, o que acabou criando ainda mais tensão nos mercados.

Diante do adiamento, o euro sofreu uma queda em relação ao dólar, depois de ter atingido a maior alta em quatro meses nos últimos dias.

O mecanismo de ajuda contaria com ¿ 440 bilhões. Mas o que não está fechado é a forma pela qual o dinheiro será reunido e quem terá o direito de usá-lo.

No início da semana, ministros das Finanças do bloco europeu chegaram a um acordo sobre a quantidade que cada um daria inicialmente ao fundo. Também ficou definido que ¿ 80 bilhões seriam disponibilizados para um usa imediato, caso necessário.

Ficou ainda estabelecido que um volume inicial de ¿ 40 bilhões teriam de ser depositados

até 2013 pelos países, e o restante entraria ate 2016. O que não tem acordo é sobre a forma de recolhimento do dinheiro necessário para permitir que o fundo some ¿ 440 bilhões. Um dos pontos mais polêmicos é a indicação de que bancos privados terão de contribuir para o fundo, a partir de 2013.

Tudo começou com o Lehman Brothers

A crise da dívida na Europa foi uma das consequências da crise financeira que explodiu em 2008, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos. Com o temor de uma depressão, muitos governos foram obrigados a anunciar pacotes bilionários, não apenas para resgatar suas economias e manter empregos, mas também para salvar as instituições financeiras.

Com a recessão, a arrecadação de diversos governos desabou e, em poucos meses, governos com uma situação financeira mais frágil descobriram que havia criado rombos profundos em suas contas.

A situação mais grave foi a da Grécia que acabou obrigando a União Europeia a improvisar um pacote de resgate com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e admitir que o bloco não tinha mecanismos para salvar um país em crise. A turbulência chegou a deixar o euro em uma situação de risco e obrigou uma reforma nas regras do bloco.

Mas, poucos meses depois, era a vez da Irlanda também declarar que não tinha como pagar suas contas. Em Dublin, o governo acabou caindo diante da necessidade de recorrer a fundos externos. Portugal, assim, acaba sendo o terceiro entre os países do bloco da zona do euro a sofrer uma situação de crise.