Título: Portugal pode ter camuflado dados
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2011, Economia, p. B1

Dívida pública, que fechou 2010 abaixo de 7% do PIB, não incluiu alguns gastos do governo; entre eles, a nacionalização do Banco Português

Francisco Leong/AFPTensão. Oposição portuguesa vota contra pacote de austeridade proposto pelo governo A Comissão Europeia insinuou ontem que o governo português camuflou o tamanho do rombo em suas contas em 2010 para evitar um resgate e tranquilizar os mercados. O mesmo já havia ocorrido com a Grécia, que falsificou a apresentação de suas contas para a União Europeia (UE), quando na realidade sabia que seu déficit era de 15% e impagável.

Os dados oficiais do governo português indicaram que a dívida pública fechou 2010 abaixo de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). Ontem, porém, a UE indicou que o valor não inclui os gastos da nacionalização do Banco Português de Negócios, resgatado pelo governo, e nem de empresas do setor de transporte. Se somados esses gastos, o déficit poderia ser de 8,2% do PIB. Na prática, isso significaria que a tarefa do governo de cortar o déficit para 4,6% seria muito mais difícil.

O escritório de estatística da UE, o Eurostat, está em contato com o governo português para tentar superar as diferenças e estabelecer qual é o nível da dívida do país.

Debate adiado. Mas a UE não pode apenas culpar Portugal pelo caos. Ontem, o bloco decidiu adiar a criação de um fundo de resgate permanente que seria estabelecido para socorrer países em dificuldade e amenizar as turbulências na zona do euro. O mercado financeiro esperava um anúncio da modalidade do fundo entre hoje e amanhã, em Bruxelas. Mas a cúpula da UE optou por não se ver envolvida na polêmica, diante das diferenças de opinião entre os membros.

O mecanismo teria 440 bilhões. Mas o que não está fechado é de onde virá esse dinheiro e quem terá o direito de usá-lo.

No início da semana, os ministros das Finanças do bloco chegaram a um acordo sobre qual seria a parcela de contribuição de cada país no fundo. Também ficou estabelecido que 80 bilhões seriam colocados para um uso imediato, caso fosse necessário. Ficou ainda estabelecido que um volume inicial de 40 bilhões teria de ser depositados até 2013 pelos países e o restante entraria até 2016.

Um dos pontos mais polêmicos é a indicação de que bancos privados também terão de contribuir com o fundo, a partir de 2013.

Politicamente, vários governos ainda têm problemas em aprovar o novo fundo. A Alemanha é um desses países ao indicou que exigirá mudanças na forma de financiamento do fundo.

Na Finlândia, o Parlamento foi dissolvido e novas eleições ocorrem no dia 17 de abril. Portanto, o governo provisório admite que não tem como assumir a responsabilidade. Portugal, sem um governo, também não teria condições de assumir o compromisso diante do novo mecanismo europeu.

Privatização. Já a Grécia anunciou que começará a implementar seu projeto para arrecadar 50 bilhões com a privatização de empresas e imóveis estatais, o que evitaria mais uma restruturação da dívida do país. O plano será apresentado nas próximas semanas, mas faz parte do compromisso da Grécia com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de reduzir os gastos públicos.

Em dois anos, a meta é conseguir 15 bilhões na venda de ativos do Estado. Até 2015, outros 35 bilhões. O valor é quase metade do que foi dado para a Grécia como pacote de resgate, no ano passado. Um dos primeiros projetos é a privatização do aeroporto de Atenas, remodelado para a Olimpíada.

O primeiro-ministro da Grécia, George Papandreou, certamente usará o programa de privatização para provar aos demais chefes de governo da Europa que o país caminha na direção de uma reforma completa do Estado. Se atingir seu objetivo de arrecadar 50 bilhões, o programa terá reduzido a dívida em 18 pontos porcentuais em relação ao PIB de 2015.

PARA LEMBRAR

Tudo começou com o Lehman Brothers

A crise da dívida na Europa foi uma das consequências da crise financeira que explodiu em 2008, com a quebra do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos. Com o temor de uma depressão, muitos governos foram obrigados a anunciar pacotes bilionários, não apenas para resgatar suas economias e manter empregos, mas também para salvar as instituições financeiras.

Com a recessão, a arrecadação de diversos governos desabou e, em poucos meses, governos com uma situação financeira mais frágil descobriram que haviam criado rombos profundos em suas contas.

A situação mais grave foi a da Grécia que acabou obrigando a União Europeia a improvisar um pacote de resgate com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e admitir que o bloco não tinha mecanismos para salvar um país em crise. A turbulência chegou a deixar o euro em uma situação de risco e obrigou uma reforma nas regras do bloco.

Mas, poucos meses depois, era a vez da Irlanda também declarar que não tinha como pagar suas contas. Em Dublin, o governo acabou caindo diante da necessidade de recorrer a fundos externos. Portugal, assim, acaba sendo o terceiro entre os países do bloco da zona do euro a sofrer uma situação de crise