Título: Crise da dívida volta a ameaçar o euro e derruba primeiro-ministro de Portugal
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/03/2011, Economia, p. B1

Sem conseguir aprovar uma nova lei de austeridade no Congresso, José Sócrates é obrigado a renunciar, antecipando as eleições

GENEBRA - A crise da dívida na Europa fez mais uma vítima. Nesta quarta-feira, 23, o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, não conseguiu os votos necessários para passar uma nova lei de austeridade, foi obrigado a apresentar a sua renúncia e convocar eleições antecipadas. O país deve começar agora a negociar um pacote de resgate com a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional que pode chegar a 70 bilhões.

A nova crise econômica e política ainda ameaça mais uma vez desestabilizar o bloco e o euro. Sem medidas para cortar gastos, Portugal caminha para ser o terceiro país da zona do euro a ser socorrido. Grécia e Irlanda foram os primeiros, com pacotes exigindo cortes nos gastos públicos e aumento de impostos.

Nos últimos meses, Portugal lutava contra a ameaça de ter de recorrer a fundos externos, alegando que sua situação não era como a da Irlanda ou da Grécia. Para provar isso, o governo socialista de Sócrates fechou acordo com a UE de que traria o déficit para 4,6% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim de 2011, depois de passar de 7% em 2010.

Mas a oposição de centro-direita liderada por Pedro Coelho, que já havia avançado em eleições locais e está na liderança das pesquisas de opinião, usou a situação para derrubar o governo e forçar a convocação de eleições. Sócrates, há seis anos no poder, não teve alternativa diante da derrota no Parlamento e anunciou sua demissão.

O presidente de Portugal, Aníbal Cavaco Silva, iniciará diálogo com todos os partidos amanhã, enquanto o atual governo será mantido apenas para garantir o funcionamento do Estado.

Sócrates preferiu partir para o ataque contra a oposição, acusando os partidos de terem colocado o interesse político acima do interesse nacional. "A situação da economia e das famílias ficou refém do calculismo político imediato", acusou. Para ele, se um pacote de resgate de fato ocorrer, são esses partidos que devem ser responsabilizados.

Antes da votação do plano de austeridade, o ministro de Finanças, Fernando Teixeira do Santos, disse que uma derrota teria "consequências graves para o país". Já os partidos de oposição acusavam Sócrates de apresentar o quarto plano de cortes de gastos em apenas um ano. Desta vez, estava sendo proposta uma redução de até 10% nas aposentadorias.

Sócrates nem sequer ficou para ver a votação, que teve votos contrários de todos os cinco partidos de oposição. Mas garantiu após o pedido de demissão que vai concorrer de novo ao posto.

"Hoje, todos os partidos de oposição rejeitaram as medidas propostas pelo governo que evitariam que Portugal tivesse de recorrer à ajuda externa", afirmou Sócrates. Segundo ele, um eventual pacote do FMI virá com condições "muito mais drásticas".

Turbulência. A queda do governo ainda ocorre às vésperas da cúpula da UE, que, agora, terá a agenda dominada pela situação de Portugal e mais uma turbulência para a zona do euro. Ontem, o mercado já deu uma indicação de como serão os próximos dias.

Diante da perspectiva de queda do governo, o risco país de Portugal atingiu uma marca recorde, numa demonstração de que o mercado não confia na capacidade de o país rolar suas dívidas. O impacto também foi sentido em países como a Irlanda, mesmo depois de já ter sido socorrida pela UE e FMI.