Título: Planos para Amazônia são desarticulados
Autor: Balazina, Afra
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/03/2011, Vida, p. A33

Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP

O professor Jacques Marcovitch, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP (FEA/USP) e ex-reitor da universidade, critica a priorização pelo governo, por meio do Plano Amazônia Sustentável (PAS), de empreendimentos de pequeno porte na região amazônica. Para ele, essas atividades menores devem ser apoiadas, mas é urgente investir em empreendimentos que adquiram escala e se organizem em cadeias para construir uma nova economia na área da floresta. O professor, que lançou neste mês o livro A Gestão da Amazônia - Ações Empresariais, Políticas Públicas, Estudos e Propostas, falou ao Estado:

O senhor conclui no livro que a sustentabilidade na Amazônia é algo indissociável do crescimento econômico e evolução do bem-estar coletivo. Como alcançar isso? Depende mais do governo ou da iniciativa privada?

Esse desafio exige sinergia entre as ações empresariais e as políticas públicas. No que se refere à Amazônia, o livro enumera erros e acertos de ambos os lados. Ao governo, cabe elevar de forma sustentável o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região, que é um dos mais baixos do mundo. A Região Norte tem uma problemática social maior do que a existente no Nordeste do Brasil. É um paradoxo: nas vizinhanças da floresta, ou dentro dela, onde há águas fartas, jazidas minerais de grandes proporções e riquíssima biodiversidade, mora uma gente sem benefícios mínimos para a vida civilizada. O Plano Amazônia Sustentável reconheceu explicitamente que são deficientes os investimentos relativos à ocupação do solo urbano, saneamento básico, gerenciamento do lixo e geração de renda. As empresas começam a despertar para ações de sustentabilidade, mas não se pode afirmar que haja um movimento contra a escassez de empregos e os baixos níveis de investimento privado. Lamentavelmente, a pecuária predatória compromete a imagem da livre iniciativa e, não por outro motivo, é fortemente criticada pelos setores mais desenvolvimentistas do empreendedorismo.

Foram ouvidas empresas que atuam na Amazônia. O que elas têm em comum?

Em comum, a preocupação com a sustentabilidade. As estratégias mudam conforme o perfil de cada corporação e seria injusto isolar um ou outro exemplo. O conteúdo geral reflete experiências de gestão que poderão ser úteis para outras companhias ali atuantes ou que venham a se interessar pelo desenvolvimento da região. Buscamos uma visão integrada das múltiplas experiências da iniciativa privada no local. O conjunto das informações tem o potencial de se tornar um guia de referências práticas de sustentabilidade empresarial.

Dos inúmeros estudos já feitos no Brasil e no exterior sobre a Amazônia, qual traz os dados mais alarmantes ou importantes em sua opinião e por quê?

A palavra Amazônia tornou-se universal e está em centenas de estudos. Posso lembrar o documento A Economia das Mudanças Climáticas, em seu capítulo sobre a Amazônia, no qual o mecanismo Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd, na sigla em inglês) é descrito como um sistema positivo para o Brasil. Nesse documento é criticado, com grande propriedade, o excessivo elenco de propostas para a Amazônia, quase sempre fragmentadas ou superpostas, o que reduz a eficácia histórica. De fato, governos diversos lançam planos para desenvolver a região e os resultados, gradualmente declinantes no espaço e no tempo, revelam uma desarticulação que precisa ser corrigida.

Ações do governo, como a Operação Arco de Fogo, ajudaram a reduzir o desmate da floresta nos últimos anos. Em 2008 foi anunciada a Operação Arco Verde, para dar alternativa à população que antes vivia do desmate ou venda da madeira ilegal. Qual é sua avaliação sobre isso?

Os efeitos das ações contra o desmatamento são evidentes e bem-vindos. O governo federal foi agente do desmate na ditadura militar e, neste segundo milênio, assume algumas atitudes proativas contra o desflorestamento.

O PAS, porém, embora com um bem articulado suporte conceitual, não é preciso quando trata de medidas operacionais. É perceptível um viés de entusiasmo pelos empreendimentos de pequeno porte, quando é sabido que, em vários casos, essas atividades ainda não são exatamente multiplicadoras socioeconômicas. Não queremos a sua exclusão de incentivos governamentais. Devem ser apoiadas, principalmente como redes fornecedoras em processos industriais sustentáveis e geradores de emprego que agreguem valor às matérias-primas disponíveis. Isoladamente, sem visão de conjunto, será reduzido o seu papel na construção de uma nova economia na Amazônia. É urgente e necessário que tais empreendimentos adquiram escala, se organizem em cadeias, obedeçam a princípios de gestão e tenham acesso a crédito diferenciado.

A Amazônia brasileira, na visão do PAS, é considerada em seu todo. O documento abrange um trio de microrregiões, distinguindo claramente as peculiaridades de cada uma. Isso implica dizer que o País terá de lidar com três Amazônias ao mesmo tempo. Espera-se que ministérios e governos estaduais, a partir das recomendações minuciosamente alinhadas, acertem nas ações de implantação. Neste segundo tempo será decisiva a intervenção dos empreendedores e dos cientistas.

Como avalia a proposta do deputado Aldo Rebelo de alteração do Código Florestal? Acha que prejudicará a Amazônia?

O que prejudicará seriamente a Amazônia é a ideologização do tema, como querem representantes da agropecuária e as representações da esquerda imoderada no Congresso. O País espera que, em nome do interesse nacional, as partes em conflito reencontrem o caminho do diálogo, abandonado por quase todos os envolvidos desde o final de 2008.

QUEM É

É professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP e foi reitor da instituição de 1997 a 2001. Foi coordenador-geral do estudo sobre Economia da Mudança do Clima no Brasil. Recebeu reconhecimentos como a Grã-cruz da Ordem Nacional do Mérito Científico.