Título: Grupo Bertin pode perder concessões de seis usinas termoelétricas
Autor: Andrade, Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/03/2011, Negocios, p. B16

Agência Nacional de Energia Elétrica nega pedido de adiamento do início de operação das usinas, que já deveriam estar funcionando desde janeiro; se dívida de R$ 71,5 milhões não for paga pelo grupo, governo pode cassar as licenças de operação

O Grupo Bertin corre o risco de perder o direito de operar seis termoelétricas que estão sob seu controle. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) negou ontem pedido de adiamento do início de operação das usinas, que deveriam estar funcionando desde janeiro. Se a empresa não pagar o que deve - cerca de R$ 71,5 milhões - o processo de cassação das concessões poderá ser aberto.

Com a decisão da agência, o Bertin tem de pagar, de imediato, cerca de R$ 33,5 milhões pela energia que não foi entregue em janeiro e fevereiro. Além disso, o grupo terá de quitar um débito de R$ 38 milhões, referente a garantias e multas pelo descumprimento de suas obrigações no primeiro trimestre. A empresa tem até meados de abril para comprar de outros geradores a energia que deveria ser entregue às distribuidoras em março.

"Se não for cumprido, ela recebe uma penalidade e segue-se o processo regular. Se a penalidade não for adimplida, o passo seguinte é a instauração do processo de cassação da outorga", explicou André Pepitone, um dos diretores da Aneel que negou o pedido de adiamento da empresa.

No recurso apreciado ontem, o Bertin alegou que a construção das usinas sofreu um atraso de sete meses e meio por uma demora do Ministério de Minas e Energia e da própria agência reguladora em liberar as outorgas das térmicas. Para a empresa, o edital de licitação especificava que essas licenças seriam liberadas 35 dias após a entrega de todos os documentos, o que não ocorreu.

"O licitante não pode alegar como legítima expectativa o prazo de 35 dias para a emissão de outorga, porque esse prazo era uma mera previsão. Isso não é fruto de interpretação, por constar literalmente no corpo do edital tal expressão", disse Pepitone durante a leitura de seu voto.

Edvaldo Santana, Romeu Rufino e o diretor-geral da Aneel, Nelson Hubner, também votaram contra o Bertin. Somente o diretor Julião Coelho defendeu que pelo menos parte do atraso deveria ser reconhecido como de responsabilidade do governo.

Dentro da Aneel, o Bertin não tem mais alternativas para tentar resolver seu problema. "Do ponto de vista administrativo, não existe mais outra ação que a empresa possa tomar", disse Pepitone. O diretor reconheceu, entretanto, que o grupo pode apelar para a Justiça. "Sempre é cabível", salientou. Procurado, o Bertin informou que está "analisando" a decisão da Aneel e que não faria nenhum pronunciamento no momento.

Confusão. A tumultuada história das termoelétricas do Grupo Bertin reflete um problema mais amplo que tem incomodado diversos agentes do setor elétrico. O atraso na construção dessas usinas, que funcionam como uma espécie de reserva a ser usada em períodos de baixa geração de energia pelas hidrelétricas, tem sido uma constante. Como mostrou o Estado ontem, das 35 térmicas que deveriam entrar em operação entre janeiro de 2010 e janeiro de 2013, mais da metade está atrasada.

Pelos cálculos do setor, as empresas que deveriam tocar esses projetos já estão devendo R$ 718 milhões à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), onde são fechados os contratos de compra e venda de eletricidade no País. A Câmara nega o valor e alega que a dívida é de R$ 228 milhões. Ainda assim, o presidente do Conselho de Administração do órgão, Antonio Carlos Fraga Machado, reconhece que o aumento da taxa de inadimplência, que passou de 1% para 5% nos últimos 10 anos, é uma preocupação. "De fato, a maior parte da inadimplência é resultante do atraso de usinas térmicas em 2010 e 2011. A solução é: ou pagam os débitos ou são excluídos da CCEE", disse. / COLABOROU KARLA MENDES

PARA LEMBRAR

Depois de vender seu frigorífico para o rival JBS, com ajuda do governo, o Bertin se lançou num ambicioso plano de disputa de concessões na área de infraestrutura. Foi o caso das termoelétricas arrematadas em 2008 e que estão dando problema agora. Primeiro, com a crise financeira mundial, o consórcio do Bertin atrasou a entrega das garantias exigidas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em seguida, veio a dificuldade para conseguir financiamento. Algumas linhas foram conseguidas quando as usinas já deveriam estar prontas e operando.

Apesar das dificuldades, o grupo disputou outros projetos de peso, como a Hidrelétrica de Belo Monte e os trechos Sul e Leste do Rodoanel de São Paulo - a principal obra viária em execução no País atualmente. Sem recursos para tocar Belo Monte, o Bertin pediu água e deixou o projeto no mês passado. Correu riscos também de não cumprir suas obrigações com o Rodoanel, mas em cima da hora arrumou financiamento e pagou os R$ 389 milhões da outorga.