Título: A timidez do Fed diante da crise
Autor: Milanese, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2011, Economia, p. B14

Recentemente, o banco central americano fez menos do que deveria, baseando-se no pressuposto utópico [br]de que a recuperação da economia se firmaria

Todas as vezes que as autoridades do Federal Reserve (Fed, banco central americano) se defrontam com a necessidade de tomar uma grave decisão, precisam pesar dois riscos. Estarão fazendo demais ao acelerar a recuperação da economia e estimulando a inflação? Ou estarão fazendo pouco, permitindo um desemprego elevado?

É evidente que, de qualquer modo, o Fed errou recentemente. Fez menos do que deveria. Deixou de baixar os juros de longo prazo, no início do ano passado, baseando-se no pressuposto utópico de que a recuperação se firmara, e em seguida foi obrigado a mudar completamente o rumo, no final do ano.

Considerando a história recente, imaginaríamos que as autoridades do Fed agora terão de fazer todo o possível para garantir uma recuperação vigorosa. Não é verdade. Novamente, nos altos escalões do banco teme-se que o Fed esteja exagerando. E mais uma vez, é muito provável que esteja fazendo muito pouco.

A alta do petróleo, as demissões no funcionalismo público, a devastação no Japão e os problemas da dívida na Europa conspiram contra a recuperação. Uma famosa empresa especializada em previsões, fundada por um ex-presidente do Fed, a Macroeconomic Advisers, rebaixou sua estimativa de expansão econômica neste trimestre, de 4% para míseros 2,3%. As previsões do Fed, observa o ex-presidente Laurence Meyer, "têm sido muito otimistas".

Como é possível que essas coisas aconteçam? Acima de tudo, a culpa é da nossa abordagem parcial da política monetária.

Um grupo de executivos do Fed e de observadores teme constantemente a perspectiva de um aumento da inflação, independentemente do desempenho da economia. Alguns deles estão assombrados pela inflação da década de 70, e têm medo de que ela volte a qualquer momento. Outros passam grande parte do tempo em conversações com executivos de bancos ou grandes investidores, que em geral têm muito mais a perder com inflação elevada do que com emprego elevado.

Não existe outro grupo do mesmo nível - pelo menos igualmente influente - obcecado pelo desemprego. Em vez disso, do outro lado do debate predominam em geral os moderados, como Ben Bernanke, o presidente do Fed, e Meyer, que às vezes estão preocupados com a inflação, e outras vezes com o desemprego.

O resultado é um viés que pode distorcer a estratégia do Fed. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA