Título: A corrida das emergentes
Autor: Costa, Melina
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/03/2011, Negócios, p. N3

No Brasil, poucos setores enfrentam um cenário de competição tão estreita como o de aviação. É assim há anos: TAM e Gol dominam o mercado. A concentração é tamanha que, em fevereiro, as duas empresas transportaram, juntas, quase 80% dos passageiros no País. Mas uma mudança importante começa a se configurar. Um grupo de quatro empresas médias - Azul, Webjet, Avianca e Trip - passou a ganhar força do ano passado para cá.

Em 2010, a Webjet atingiu o lucro pela primeira vez em seis anos de operação. A Avianca afirma ter chegado ao equilíbrio entre custos e receita e espera ser rentável em 2011. A Azul informou que registrará seu primeiro trimestre lucrativo entre janeiro e março. A regional Trip, por sua vez, é rentável há três anos e agora se prepara para um salto no crescimento.

Os dados mostram que cada uma dessas empresas se provou capaz de erguer uma estratégia sustentável para crescer - resta saber qual delas vai sair na frente. "São empresas com modelos diferentes e defensáveis. É difícil saber qual delas vai disparar", diz Paulo Sampaio, consultor da Multiplan Air. "Esse é o momento mais interessante da aviação na última década." Em uma demonstração do tamanho de seu apetite, o grupo das companhias médias aumentará em mais de cinco mil o número de assentos disponíveis para passageiros em 2011 - contra menos de dois mil na oferta de TAM e Gol.

Na corrida das companhias emergentes, uma das mais agressivas é a regional Trip. A empresa vai acrescentar 14 aviões à sua frota. Com receita de R$ 740 milhões, está entre as últimas do grupo em participação de mercado, mas contesta o índice de 2,7% atribuído pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). "A agência mede a participação em volume, e não em valor. Se fossem comparar as receitas, estaríamos no patamar de Azul e Webjet", diz José Mario Caprioli, acionista e presidente da Trip.

Independentemente disso, o fato é que a empresa precisará de dinheiro para entrar no time das grandes. Com a estratégia de ligar cidades pequenas e médias, a Trip pretende chegar em 2013 com 81 aviões e R$ 2,4 bilhões de receita. Há três alternativas de capitalização à sua frente. A primeira é o uso de capital próprio e emissão de dívida. A outra consiste em um IPO, ainda sem data definida. Já a terceira, segundo o Estado apurou, é a entrada da Latam (resultado da fusão entre TAM e a chilena LAN) no capital da companhia.

As negociações começaram no fim de 2010 e devem culminar em uma participação da Latam ao redor de 30%. Em comunicado, a TAM não desmentiu as conversas e informou que as empresas mantêm tratativas "visando o aprimoramento do acordo de codeshare existente e a identificação de possíveis oportunidades para fortalecimento e expansão dos negócios". A Trip não se manifestou.

Petróleo. A tentativa de capitalização que mais mobilizou o mercado foi a da Webjet. Ela foi a primeira a protocolar o pedido de IPO na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e, dependendo do resultado da oferta, poderia disparar na frente das outras. Seus planos, porém, tiveram de ser atrasados diante das crises na Líbia e no Japão e da alta dos preços do petróleo. Procurada, a Webjet não concedeu entrevista porque ainda está em período de silêncio.

Depois de passar por três donos em seis anos, a Webjet decidiu adotar um modelo de baixíssimo custo ao estilo Ryanair - a companhia irlandesa que já anunciou até a cobrança pelo uso dos banheiros dos aviões. Um executivo em especial tem trabalhado para aproximar as duas. É Charles Clifton, que trabalhou 16 anos na irlandesa.

Clifton é sócio no Irelandia Aviation, fundo de investimentos da família fundadora da Ryanair. Em 2009, o Irelandia estudou a possibilidade de comprar uma fatia na Webjet. As negociações não avançaram, mas Clifton acabou convidado para participar do conselho de administração da brasileira. Hoje ele mora no Rio e dá expediente na companhia, segundo fontes do setor. Com sua ajuda, a Webjet passou a cobrar pela marcação de assentos no avião e não serve nem água de graça.

Na disputa entre as companhias médias, nenhuma cresce tão rapidamente como a Azul, de David Neeleman. Em dois anos de operação, alcançou quase 8% do mercado e tornou-se a terceira maior do setor. Sua intenção é deter 20% do transporte de passageiros em até 8 anos ligando cidades médias e grandes com voos sem escala.

Desde que começou a voar, a Azul tem enfrentado críticas. Os concorrentes alegam que a empresa comprometeu suas margens para crescer. Além disso, o anúncio do IPO da Webjet foi visto como uma pressão extra para a companhia, que também pretende abrir o capital - afinal, o número de investidores interessados em empresas emergentes de aviação no Brasil é finito.

"Atingimos o break-even (equilíbrio entre despesas e receita) em dezembro e ainda temos US$ 100 milhões dos US$ 350 milhões captados para começar a empresa. Não precisamos de dinheiro e nossos investidores não têm pressa de sair do negócio", diz Neeleman. "E não adianta um concorrente ter mais dinheiro. Isso não significa que ele saberá colocar as aeronaves no lugar certo."

"Querida". Na ponta final da disputa está a operação local da colombiana Avianca. A empresa foi a que menos cresceu em participação de mercado em 2010 e informou que deve aumentar sua oferta em pouco mais de 720 assentos neste ano. "Para nós, o market share não é o mais importante", diz José Efromovich, presidente. "Queremos ser a empresa mais querida."

Guiada por essa missão, a companhia se ocupou em aumentar o espaço entre poltronas e oferecer mimos como tomadas e TVs individuais. Mas que ninguém se engane. Suas intenções não são tão inocentes. O grupo Avianca como um todo deve receber 40 aviões da Airbus até o fim de 2014 - e ainda não está decidido onde eles serão alocados. Essa é só uma amostra de que a competição está apenas no começo.