Título: Assad, autocrata com imagem de reformista
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2011, Internacional, p. A15

- O Estado de S.Paulo Bashar Assad costuma encantar seus interlocutores. Do presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA, John Kerry, passando pela primeira-dama francesa, Carla Bruni, a jornalistas que o entrevistaram, todos ficam com a impressão de ter conversado com um genuíno reformista e democrata. O presidente sírio parece mais o médico oftalmologista que viveu em Londres do que um autocrata que herdou o poder de seu pai há 11 anos.

O próprio Assad tenta vender esta imagem. Não usa roupas exóticas, como Muamar Kadafi. Nunca adotou o estilo militar de Hosni Mubarak. Tampouco o de playboy internacional do rei Abdullah, da Jordânia. Sempre busca passar a imagem de ocidentalizado, bem diferente dos monarcas do Golfo Pérsico.

O líder sírio evita dar um caráter religioso a seu regime. A Síria seria, na visão que Assad gosta de vender, um país secular. Internamente, quase nunca o presidente aborda sua origem alauita, que representa apenas um em cada dez sírios, enquanto os sunitas seriam 75%.

Sua mulher, Asma, seria a sua versão feminina, com a diferença de ter origem sunita. Nasceu e estudou em Londres e Boston e trabalhou no banco de investimentos JP Morgan nos EUA. Recentemente, foi tema de reportagem na revista Vogue.

"Ele é um oftalmologista que estudou em Londres e um nerd de computador que gosta de brinquedos tecnológicos", escreveu David Lesch, autor de The New Lion of Damascus: Bashar Assad and Modern Syria (O novo leão de Damasco: Bashar Assad e a Síria Moderna), uma biografia do líder sírio. O jornal israelense Haaretz certa vez afirmou que a inteligência de Israel ficou surpresa com o vício de Assad em seu Playstation.

Segundo escreveu para The Guardian o especialista em Síria Brian Withaker, "Assad não se parece um presidente árabe ou um ditador. Ele não tem o ar arrogante de Ben Ali ou é egocêntrico como Mubarak. Ver Assad nos faz lembrar do chefe dos escoteiros, que sabe fazer nós difíceis, mas tem dificuldade de manter a barraca armada em grandes ventanias".

Ao entrevistá-lo em junho, o repórter do Estado também ficou com a impressão de estar diante de um jovem disposto a falar de assuntos como a seleção brasileira de 1982 e as atuações de Sócrates e Zico. Em determinados momentos, Assad parece tímido e sem graça na sua posição de líder de um regime. Diferentemente de outros líderes árabes, recebe os repórteres sozinho.

Quando assumiu o poder, tentou acabar com o culto à personalidade. Mandou retirar todos os cartazes com sua imagem. Mas, ao longo dos anos, ele voltou a aparecer em outdoors espalhados por Damasco.

Entre os sírios, também circulam histórias de que Assad vai a restaurantes sozinho com sua mulher, fazendo questão de pagar a conta e dirigindo o próprio carro. Outras dizem que ele ainda atenderia pacientes carentes. Nas lojas e táxis da cidade, muitos colocam fotos do líder sírio. Em muitos casos, apenas para evitar o serviço de inteligência. Em outros, porque genuinamente gostam de Assad. O líder sírio, conforme disse um diplomata estrangeiro em Damasco, seria o inverso de seu pai. Enquanto Hafez Assad era temido por sua violência e o massacre de Hama, Bashar seria o bonzinho, que abriu a economia síria.

Para Ayman Abdel Nour, que foi um dos melhores amigos de Assad e hoje vive em um autoexílio nos Emirados Árabes, "o problema é que a mídia o retrata como um ocidental usando iPad, casado com uma cidadã britânica (filha de sírios) que fala inglês fluentemente". "Mas ele mesmo disse várias vezes que isso não significa ser ocidental em seus pensamentos. Ele é sírio", acrescentou o opositor à TV CNN. Segundo Nour, a personalidade de Assad muda de acordo com quem estiver conversando. Há uma semana, a secretária de Estado, Hillary Clinton, afirmou que parlamentares republicanos e democratas consideram Assad um reformista. Mas para Irã, Hamas e Hezbollah ele é um aliado. Na verdade, hoje, poucos sabem dizer se Assad ainda é o oftalmologista ou o herdeiro de seu pai. Os acontecimentos da próxima semana devem determinar como a histórica verá Assad.