Título: Fantasma da velha estatal assombra empregados
Autor: Fernandes, Adriana ; Mendes, Karla
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2011, Economia, p. B6

Funcionários da Vale temem que influência do governo mude as prioridades da empresa

O conturbado processo de mudança na direção da Vale gerou uma onda de insatisfação na segunda maior mineradora do planeta. O empenho do Planalto para sacar Roger Agnelli da cadeira de presidente assusta. Mas é o fantasma da "velha estatal" o que mais assombra os 119 mil empregados da companhia, que se esforçaram nos últimos 14 anos para consolidar a imagem de empresa privada eficiente.

Essa eficiência se traduziu em números concretos desde que a mineradora foi privatizada, em 1997. No ano passado, a Vale tomou da Petrobrás o posto de maior exportadora do Brasil. As vendas externas superaram a marca de US$ 24 bilhões. Sem isso, o superávit brasileiro teria virado um déficit, o que não ocorre há 11 anos. A empresa, que faturou US$ 4 bilhões em 2001, quando Agnelli assumiu o comando, fechou 2010 com resultado quase 12 vezes superior.

Ao longo da semana passada, a reportagem do Estado conversou com diretores e ex-diretores da mineradora, para mapear como o processo de fritura de Agnelli estava sendo absorvido por quem trabalha ou já trabalhou no edifício da Avenida Graça Aranha, no centro do Rio, onde fica a sede da companhia. O que se percebeu foi um clima de desconforto e desinformação.

Insatisfeitos, empregados têm feito pequenos protestos nas redes sociais na internet e usado roupas pretas no trabalho, numa espécie de "luto extraoficial". Os mais exaltados tentaram organizar uma parada da produção, que poderia custar US$ 300 milhões por dia. A direção conseguiu segurar os descontentes e evitar o episódio, que azedaria ainda mais a situação.

No jogo de contrapropaganda, uma reunião informal promovida por diretores para discutir o futuro de cada um na companhia acabou se transformando, na visão do governo, numa espécie de motim bancado por Agnelli.

"O Roger não incentivou revolta nenhuma. Somos profissionais. Agora, se o presidente vai ser frito, linchado dessa maneira, imagina o que vai acontecer com a gente", desabafa um dos participantes.

O que fica evidente em toda a movimentação das últimas semanas é que o Planalto quer usar a participação acionária na companhia - por meio do braço de investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dos fundos de pensão de estatais e de uma ação especial que lhe permite vetar mudanças propostas pela direção - para exercer um "poder de fato" sobre a mineradora.

Essa evidência fortalece a sensação de que o Planalto está disposto a tratar a Vale como uma velha estatal, apesar de a empresa ter mudado de lado 14 anos atrás. "Eu não quero ficar numa companhia que vai virar a Petrobrás. Eu não sou funcionário público", resume uma fonte.

Chumbo grosso. A independência de Roger Agnelli é reconhecida por muitos como uma de suas maiores virtudes, mas também um de seus maiores defeitos. O estilo acabou sendo a fonte básica de atritos que o executivo teve com o Planalto nos últimos anos. As trombadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornaram lendárias. Mas foi na gestão Dilma Rousseff que o jogo mudou. "Lá atrás existiam conversas, tentativas, mas nunca se tinha tomado a decisão de atropelar os processos de governança, os sócios, os empregados", comenta um diretor. "O jogo agora é outro, é menos delicado, é na base da porrada. Vem chumbo grosso."

Uma das críticas ao estilo Agnelli é a defesa dos interesses financeiros da empresa em primeiro lugar. Para quem trabalha diretamente com o executivo, a alegação é descabida. "Não tenho rabo preso com o Roger. Não sei para onde ele vai, não sou amigo dele. Mas justiça seja feita: ele levou a Vale para outro patamar socioambiental", diz o diretor.

A demissão de funcionários na crise mundial de 2008 e a resistência em ampliar os investimentos em siderurgia são dois fatores sempre mencionados pelo governo para sacar Agnelli da Vale. Na empresa, os dois exemplos são classificados como "motivos fúteis e mentirosos".

O corte de 1,3 mil funcionários no fim de 2008 é um fato, mas o governo não contabiliza que o resultado líquido daquele ano foi a contratação de 5 mil novos empregados. A polêmica sobre os investimentos siderúrgicos é ainda mais complexa. As usinas compram minério da Vale e a análise dos executivos é unânime: é sempre complicado competir com os próprios clientes. Além disso, existe atualmente uma sobra de aço no mundo.

A Vale tem um programa de investimentos de US$ 160 bilhões. Para muitos, o controle sobre a destinação desse dinheiro é um dos verdadeiros motivos por trás da luta pela cadeira de Agnelli. "Com esse orçamento são cargos e cargos que você pode criar. Podemos ter 10, 15, 20 diretorias novas", pondera um executivo da mineradora. "Acho que a ideia deles é transformar a empresa numa Petrobrás. Vai virar um ministério com o maior orçamento do governo."