Título: Temor de inflação se espalha pelo mundo
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2011, Economia, p. B12
Preocupação, antes limitada a alguns países emergentes, já atinge EUA e Europa
A inflação voltou ao radar das autoridades econômicas em todo o mundo, mesmo nos países ricos, onde ainda no ano passado o grande fantasma econômico era a deflação. Para Jim O""Neill, chairman da Goldman Sachs Asset Management, "há alguma evidência de que o elevado preço do petróleo começou recentemente a impactar as expectativas de inflação nos países ricos, e que não se trata mais apenas de uma questão para os países emergentes".
Segundo O""Neill, criador da expressão BRICs (Brasil, Rússia, Índia e China), já está na hora de o Federal Reserve (Fed, banco central americano) e outros bancos centrais de países ricos começarem a falar de forma mais dura sobre a possibilidade de aperto da política monetária. Ele ressalva, porém, que "a recuperação frágil (desses países) sugere que qualquer coisa acima de um aperto modesto é inadequada".
O problema, como explica Roberto Prado, economista do Itaú-Unibanco, é que há um forte descolamento, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, entre a inflação cheia e os chamados "núcleos de inflação". No primeiro caso, trata-se do índice incluindo todos os seus componentes. No segundo, excluem-se os itens ligados a preços internacionais, cuja alta não é causada por pressões de demanda específicas de cada país. A diferença entre os dois índices é provocada pela alta global das commodities, refletida no preço dos alimentos e dos combustíveis, que estão no índice cheio, mas não no núcleo.
Essa dualidade entre os dois termômetros da política monetária cria uma situação ambígua, e cada banco central está agindo de acordo com suas inclinações e conveniências. Nos Estados Unidos, com o impacto das commodities, a inflação cheia anualizada dobrou de 1,1% em novembro para 2,2% em fevereiro. Mas o núcleo ainda está em 1,1%.
A reação do Fed, que se preocupa mais com o núcleo do que com o índice cheio, tem sido comedida. William Dudley, presidente do Fed de Nova York, alertou na sexta-feira contra um movimento prematuro de aperto na política monetária americana, já que considera que o processo de recuperação ainda é frágil. Prado nota que Dudley, que vota nas decisões da política monetária americana, é muito próximo da visão de Ben Bernanke, o chairman do Fed, que, em última instância, tem influência decisiva sobre o rumo do banco central.
Assim, o plano de voo do Fed mais provável, na visão do mercado, é o de manter os Fed Funds, a taxa básica, no nível atual de praticamente zero (0,125%) até pelo menos o final do ano, e iniciar um movimento muito gradativo de alta apenas em 2012.
Quanto à chamada parte não-convencional da política monetária americana, a recompra de títulos de longo prazo em poder do mercado (que equivale a injetar dinheiro na economia), o consenso ainda é de que o Fed vai completar o segundo ciclo, num volume de US$ 600 bilhões de novembro de 2010 a junho. A partir daí, será discutido como revender de volta para o mercado esses títulos que engordam a carteira do Fed.
Para Prado, a mudança no sentimento do mercado nas últimas semanas, refletindo as pressões inflacionárias globais, foi a de que se tornou mais remoto um cenário com o qual os analistas também vinham trabalhando: aquele em que a economia americana permaneceria muito debilitada, ameaçando dar um segundo mergulho recessivo.
Neste caso, alguns cogitariam de uma terceira rodada de recompra de títulos, e os Fed Funds poderiam ficar estacionados onde estão por muito mais tempo. Na sexta-feira, a divulgação de que 216 mil empregos foram criados nos Estados Unidos em março, e que a taxa de desemprego caiu para 8,8%, menor nível em dois anos, reforçou a visão de que um novo mergulho recessivo é pouco provável.
Na Europa, o Banco Central Europeu (BCE), preocupado com a inflação anualizada de 2,6% em março, já sinalizou que vai aumentar a taxa básica esta semana. Já o Banco da Inglaterra (BC britânico) trabalha com uma abordagem mais próxima da americana: mesmo com a inflação cheia caminhando para 5%, há cautela quanto a aumentar juros, já que o superpacote de aperto fiscal do país é visto como uma ameaça à frágil recuperação pós-crise global.
Na China e na Índia, com expectativa de inflação em 2011 em torno de, respectivamente, 5% e 7,4% (segundo a Economist Intelligence Unit), a visão é de que, como no caso também dos outros Brics (Brasil e Rússia), as autoridades econômicas estão atrasadas em conter o impulso dos preços.
Em diversos outros países emergentes na América Latina, Europa Oriental e África do Sul, a inflação parece controlada. No entanto, o economista João Pedro Resende, do Itaú-Unibanco, acha que muitos deles ainda estão por sofrer o impacto maior da alta das commodities alimentares, que demora um pouco mais para transitar até os preços ao consumo. Ele nota que em muitos desses países as expectativas inflacionárias estão bem acima da inflação corrente. (ver gráfico)./ COLABOROU CLARISSA MANGUEIRA