Título: Ingleses enfrentam corte de gastos e temor de recessão
Autor: Milanese, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/04/2011, Economia, p. B16

Gastos públicos serão reduzidos em £ 80 bilhões, impostos serão elevados e governo pretende reduzir rede de benefícios sociais

O aguardado casamento do príncipe William com Kate Middleton poderá contar com penetras raivosos. Em tempos de vacas magras, a ostentação da monarquia britânica se transforma em alvo fácil da insatisfação de parte da população. A polícia já planeja intensificar a segurança para impedir que manifestações contra o governo estraguem a festa.

Mas a comemoração real está longe de ser vista só como mero esbanjar de dinheiro público. Para a maioria, é motivo de orgulho nacional, capaz de dar algum estímulo para o moral e a abalada economia do Reino Unido.

Os britânicos se preparam para apertar o cinto e encarar a realidade: dias mais difíceis virão, à medida que o governo impõe o maior corte de gastos públicos desde a Grande Depressão. A nova era de austeridade fiscal vem junto com o aumento do custo de vida, trazido pela alta dos alimentos e dos combustíveis, e gera onda de descontentamento.

O impacto da estratégia para a redução da dívida pública estará espalhado por diversas esferas: saúde, educação, segurança, cultura e defesa. Os anos de bonança vão ficando para trás. A crise financeira global de 2008 foi especialmente grave no Reino Unido porque o país baseou o crescimento econômico das décadas anteriores no mercado financeiro. Quando os bancos tiveram de ser socorridos pelo governo e a bolha imobiliária estourou, o resultado foi uma longa recessão de um ano e meio.

Até agora, a economia não conseguiu engatar uma recuperação consistente e o desemprego segue elevado, em 8% da população economicamente ativa. Como resultado de todo esse processo doloroso, a dívida pública explodiu e chegou a 76% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto o déficit fiscal hoje representa 10% do PIB.

Há consenso de que o país precisa reduzir os gastos públicos. Mas, a polêmica está centrada na velocidade e no tamanho dos cortes. O atual governo de coalizão conservador do primeiro-ministro David Cameron decidiu fazer o ajuste imediatamente, com um facão bastante afiado: a economia será de £ 80 bilhões (R$ 210 bilhões) em cinco anos, mais £ 30 bilhões (R$ 50 bilhões) de aumento de impostos.

O objetivo alegado é evitar o agravamento do desequilíbrio das finanças e garantir a sustentabilidade para os próximos anos, pois o nível de endividamento é considerado insustentável. "No que diz respeito ao governo, só existe um caminho para reduzir o enorme déficit do Reino Unido: adotar um severo aperto fiscal, sem precedente na história recente", avalia Peter Dixon, analista do banco Commerzbank.

A oposição diz que a estratégia trará a ruína e fará o país cair novamente em recessão, pois os cortes são bem mais severos do que se imaginava. E a população já foi às ruas para protestar.

Benefícios. A estratégia do governo passa pelo aumento de impostos e desmonte da rede de benefícios. O Estado de bem-estar social ampara as mais diversas necessidades da população, numa lista vasta construída ao longo de décadas. Além de saúde e educação de qualidade, todos têm acesso à moradia. O governo paga aluguel para desempregados, conta de gás para idosos, enfermeira para recém-nascidos. As famílias recebem pagamento mensal de auxílios conforme a quantidade de filhos e créditos fiscais dos mais variados. É um modelo que está bastante encravado no modo de vida dos britânicos.

O que se questiona, da direita à esquerda, é a extensão atingida por esses benefícios após tantos anos e seus efeitos sobre o mercado de trabalho. Na campanha para as eleições gerais no ano passado, os três partidos tinham um objetivo comum em seus programas: estimular parte da população a voltar a trabalhar, abandonando a dependência do governo. Para muitos, é mais vantajoso viver com os benefícios do que arrumar emprego.

O secretário do trabalho britânico, Chris Grayling, estima que existem quase 5 milhões de pessoas no país recebendo benefícios e fora do mercado. "Precisamos fornecer a ajuda e o suporte certos para que eles voltem ao trabalho." Para o parlamentar trabalhista e opositor Liam Byrne, "o atual governo não conseguiu fazer as pessoas voltarem a trabalhar e isto está custando uma fortuna para as famílias".