Título: O caminho da deserção
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2011, Internacional, p. A18

do The New York Times -

Todos têm indagações e ansiedades a respeito da nossa política na Líbia. Minha opinião é a seguinte: sou contrário à política que Barack Obama descreveu em várias declarações, mas apoio a política que o governo está adotando de fato.

A política que a Casa Branca apresenta em público é limitada e não é plausível. A força multilateral quer impedir um desastre humanitário pelo ar, mas continua ambígua sobre o que ocorrerá depois.

Quais são os nossos objetivos? Qual é a nossa atitude em relação ao regime de Kadafi? Qual é a estratégia de retirada? Felizmente, a política que o governo Obama decidiu empreender concretamente é mais flexível e ponderada.

Ela começa com o mesmo propósito humanitário. Às vezes, as pessoas acham que o presidente é calculista, frio e racional, mas, nesse caso, ele foi motivado por um sentimento nobre: os EUA não podem ficar olhando o massacre de milhares de pessoas tendo os meios para impedi-lo.

Obama tomou a decisão, segundo soube, consciente de que não havia vantagens políticas, mas com enormes riscos. Ele a tomou consciente de que conhecemos pouco sobre a Líbia. Ele sabia que se recorresse a essa ação estaria se arriscando em nome do futuro dos líbios. Mesmo assim a tomou, como cabe a um americano, motivado pelo papel histórico do país, campeão da liberdade e da humanidade, e com a convicção de que não poderíamos ficar do lado de Rússia e China.

Nessa decisão, podemos ver o mesmo homem sensível, idealista, que escreveu Dreams from My Father ("Sonhos do Meu Pai", na tradução para o português). Evidentemente, um presidente também precisa pensar de maneira prática.

Os EUA chegaram a uma conclusão realista. Se Muamar Kadafi mata metodicamente seu povo, o esforço não pode terminar com um cessar-fogo que lhe permita permanecer no poder. A mudança de regime é o objetivo da política americana.

Existem três opções plausíveis. São elas, em ordem crescente de probabilidade. A derrota: o Exército mambembe dos rebeldes venceria o Exército do ditador no campo de batalha. A saída: Kadafi seria persuadido a deixar o país e estabelecer-se em algum outro lugar. A defecção: os que cercam Kadafi decidiriam que não há futuro se continuarem atrelados a ele e, consequentemente, o regime desmoronaria ou seria derrubado.

O resultado é uma estratégia segundo a qual as forças multilaterais intensificariam a pressão, estreitando o cerco e, então, esperariam para ver. As nações ocidentais estão entrando em contato com destacadas personalidades líbias para encorajar as defecções.

Há tentativas para transmitir na Líbia sinais de TV de oposição à emissora estatal. Nas zonas libertadas, a aliança multilateral está enviando ajuda para a construção da sociedade civil e para organizar a oposição. Os EUA liberaram bilhões de dólares líbios confiscados para os rebeldes.

Eric Schmitt escreveu um artigo no The Times mostrando o que significa o ataque aéreo. Não se trata apenas de atingir as defesas aéreas da Líbia. A operação implica também em uma guerra psicológica que induza os soldados líbios a desertar e envolve sabotar o sistema de comunicação, cortar as linhas de suprimentos e criar confusão em toda a estrutura de comando.

O sentido de tudo isto é convencer os soldados de que Kadafi não tem futuro. Bastará para provocar deserções? Ninguém sabe. Mas, considerando as incertezas, parece uma maneira prudente de testar a força do regime e de expor seus pontos fracos.

Talvez, nos próximos meses, não tenhamos a capacidade de desalojar Kadafi pela falta de uma invasão de verdade. Mas, na pior das hipóteses, o povo líbio não estará numa situação pior do que a que estava quando as forças do governo se preparavam para o massacre de Benghazi. Na melhor das hipóteses, podemos ajudar a libertar parte da Líbia ou mesmo, se o regime cair, todo o país.

É cansativo bater na mesma tecla, mas se trata de uma intervenção segundo o espírito de Reinhold Niebuhr, motivada por um nobre sentimento, para combater o mal, mas sem a pretensão de superioridade moral e com uma sábia consciência dos limites e das ironias da história. E está sendo empreendida no momento em que a mudança é de fato possível no mundo árabe.

Autoridades líbias levaram jornalistas ocidentais até a cidade de Gharyan, para mostrar-lhes o túmulo de uma criança morta pela coalizão ocidental. Parentes da criança, porém, chamaram os jornalistas e disseram que a Otan está certa. "Ele não é um homem", sussurrou um deles, referindo-se a Kadafi. "É um Drácula. Há 42 anos vivemos na escuridão. Todos querem que ele vá embora."

/ TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

É COLUNISTA