Título: Rebeldes negam genocídio marfinense
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/04/2011, Internacional, p. A15

CORRESPONDENTE / PARIS

A ONU e líderes políticos de todo o mundo pediram ontem explicações ao presidente eleito da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, sobre o genocídio de cerca de 800 pessoas cometido em 29 de março na cidade de Duekoue, no oeste do país. O massacre teria sido obra de partidários do líder da oposição, cujas milícias tentam derrubar o presidente de facto, Laurent Gbagbo. Ouattara nega participação na chacina.

O massacre foi revelado no sábado pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e confirmado pela ONG católica Caritas. Entre quinta e sexta-feira, voluntários do CICV se dirigiram a Duekoue para levar à população alimentos e assistência médica, após os combates que haviam acontecido na cidade.

Ao chegar, médicos e enfermeiros descobriram a extensão do genocídio. "O crime é particularmente chocante por sua amplitude e brutalidade", afirmou à rádio francesa Europe 1 Kelnor Panglungtshang, porta-voz da Cruz Vermelha.

Até a noite de ontem, a entidade afirmava não ser possível determinar com precisão quem seriam os responsáveis pelo crime. No entanto, as suspeitas recaem sobre o grupo de Ouattara, cujos militantes assumiram o controle de Duekoue após violentos combates com os militares e milicianos fiéis a Gbagbo. A ONU chegou a acusá-lo publicamente. "O secretário-geral (Ban Ki-moon) expressou particular preocupação e alarme sobre os relatos de que forças pró-Ouattara teriam matado muitos civis na cidade de Duekoue", disse o porta-voz das Nações Unidas, Martin Nesirky.

Segundo a ONG Federação Internacional das Ligas de Direitos Humanos (FIDH, na sigla em francês), com sede em Paris, o genocídio prossegue em outras cidades marfinenses. "Temos informações de que as execuções continuam", afirmou Florent Geel, chefe do escritório África da FIDH.

A porta-voz de Ouattara, Anne Ouloto, negou o envolvimento das forças leais ao presidente eleito na morte de civis. Duekoue Sidiki Konate, porta-voz de Guillaume Soro, primeiro-ministro de Ouattara, disse que foram registrados 152 mortes na região - e não 800, como afirma a Cruz Vermelha. "É difícil estabelecer os que morreram durante os confrontos e os que morreram depois dos enfrentamentos. É muito cedo para estabelecer a responsabilidades", disse

Ontem, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, pediu ao presidente eleito - reconhecido pela comunidade internacional como chefe de Estado legítimo -, que apure o genocídio e exigiu que suas forças não recorram à violência excessiva.

Em Washington, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, também condenou o massacre e exigiu que as forças do presidente eleito "respeitem as leis da guerra e cessem os ataques contra civis". Além disso, ela pediu que as forças de Ouattara se "mostrem à altura dos ideais do presidente eleito".

Diretamente envolvida nos combates em Abidjã, que entraram no terceiro dia ontem, a França anunciou o envio de mais 300 soldados, totalizando 1,4 mil no segundo front do país na África - o primeiro é a Líbia. Ontem, o Exército francês tomou o controle do aeroporto de Abidjã, com o objetivo de reabri-lo para uso civil e militar. Cerca de 1,6 mil estrangeiros aguardam para deixar o país. Em resposta à intervenção de Paris, a TV estatal marfinense afirmou que o governo francês prepara um massacre da população do país. "O genocídio ruandês será feito na Costa do Marfim pelos homens de Sarkozy", dizia a mensagem.

PARA LEMBRAR

Ouattara venceu Gbagbo nas urnas

No dia 28 de novembro, o segundo turno das eleições presidenciais da Costa do Marfim foi vencido por Alassane Ouattara. No poder desde 2000, porém, o presidente Laurent Gbagbo rejeitou o resultado e se recusou a deixar o cargo. Desde então, os adversários começaram a luta pela presidência. O mandato de Gbagbo já havia acabado em 2005, mas as eleições foram adiadas com a desculpa de que a instabilidade não permitia a votação. Semana passada, Ouattara lançou uma ofensiva que tomou a capital do país, Yamoussoukro, e o principal porto exportador de cacau - insumo que sustenta a economia local. Estima-se que mais de 80% da Costa do Marfim já esteja nas mãos de Ouattara. A batalha por Abidjã, principal cidade do país, é decisiva para o desfecho da crise. Cerca de 2,5 mil homens de Gbagbo defendem o palácio e a residência do presidente de facto. Enfrentando ainda deserções e pressões internacionais, Gbagbo está isolado. A notícia de que forças de Ouattara seriam responsáveis pelo massacre de Duekoue, portanto, é uma péssima notícia para a legitimidade do futuro governo marfinense.