Título: Ex-colônia francesa já foi ilha de tranquilidade
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2011, Internacional, p. A17

Por quatro décadas, país do Oeste Africano viveu em paz, mas golpe militar em 1999 iniciou ciclo de confrontos

Apesar de enfrentar um dos mais violentos levantes na África neste momento, a Costa do Marfim, nas suas primeiras quatro décadas de independência, foi uma ilha de estabilidade no continente. Não ocorriam golpes de Estado e suas relações com o Ocidente eram qualificadas como excelentes.

Ex-colônia francesa, a Costa do Marfim não difere muito de outros países da costa ocidental africana. É composta por diversas tribos e religiões, sendo as duas principais o islamismo e o cristianismo. Apesar das pequenas diferenças, os conflitos atuais e os das últimas décadas não seguem exatamente as linhas sectárias e étnicas, como ocorre na Nigéria, por exemplo.

A elite econômica marfinense ainda é formada por cerca de 60 mil imigrantes libaneses, em sua maioria xiitas, e outros 10 mil franceses ou descendentes. Cidadãos de nações vizinhas também trabalham na Costa do Marfim e representam 20% dos pouco mais de 20 milhões de habitantes do país.

Da sua independência, em 1960, até 1999, a Costa do Marfim não foi um Estado democrático. Por 30 anos, houve apenas um partido e censura à imprensa. Mas os habitantes valorizavam a paz nesses anos sob o comando de Félix Houphouet-Boigny, considerado o "pai da nação". Primeiro presidente marfinense, ele comandou o país até sua morte, em 1993.

Nos últimos anos de seu governo, o líder havia iniciado a redemocratização. Seu sucessor foi Henri Konan Bédié. Acusado de corrupção e má administração, acabou deposto em golpe militar liderado pelo general Robert Guei em dezembro de 1999, encerrando os 40 anos de calmaria. Foi o início da era de conflito no país do Oeste Africano.

Ao convocar eleições, em 2000, Guei desqualificou os principais candidatos na Justiça marfinense, entre eles Alassane Ouattara, presidente eleito do país. Apesar desses vetos e de tentar manipular os resultados da votação, Guei acabou derrotado por Laurent Gbagbo. Em uma ironia, o homem que hoje não quer deixar o poder teve de pegar em armas para depor o militar que se recusava a deixar a presidência.

A Costa do Marfim acabou dividida. Foram necessárias tropas da ONU para garantir a paz no país e no fim de 2010 eclodiu a atual crise - quando Gbagbo rejeitou a vitória de Outtara. Mesmo se o presidente de facto deixar o poder, a tendência é que a crise continue, segundo a especialista em África Anne Fruhauf. "Outtara terá uma difícil tarefa de assegurar a reconciliação política e recuperar a economia nesse país dividido."