Título: ONU muda princípios morais e militares de operações de paz
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2011, Internacional, p. A17

Os pouco usuais ataques militares da ONU contra bases militares do ditador da Costa do Marfim, Laurent Gbagbo, representam uma importante guinada nos princípios e estratégias da organização. As Nações Unidas não costumam intervir por meio da força em assuntos de um país membro, mas, desta vez, a ONU está se mostrando disposta a empreender ações audaciosas para salvar vidas, afirmaram diplomatas e analistas.

Depois de semanas de declarações ambíguas por parte de funcionários da organização internacional, na noite de segunda-feira Alain Le Roy, diretor de operações de paz da ONU, expôs a decisão de intervir como uma escolha moral, militar e um imperativo legal: Gbagbo deveria ser impedido de usar morteiros, granadas propelidas por foguetes e armamento pesado contra civis e soldados da força internacional de paz. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, acrescentou que a intervenção era necessária para proteger vidas, enfatizando ao mesmo tempo que a organização não é parte no conflito.

Enquanto ambos os funcionários salientavam a urgência de um a invasão por terra, diplomatas da ONU e analistas afirmaram ontem que a intervenção da organização também é resultado de uma mudança política fundamental, impulsionada pela ação militar contra a Líbia - que teve apoio do Conselho de Segurança.

Segundo os funcionários, a Líbia calara, pelo menos temporariamente, alguns dos ásperos debates do passado sobre o perigo de uma intervenção humanitária ser interpretado como um ato imperialista. Ao destacar o apoio da ONU, Ban escolheu com cuidado as palavras temendo reforçar a acusação de Gbagbo de que Alassane Ouattara, o homem que venceu as eleições de novembro, é um instrumento dos franceses.

"A ação na Costa do Marfim recebeu um estímulo psicológico pelo fato de estar ocorrendo sob o pano de fundo dos ataques na Líbia, e respalda a afirmação do presidente Barack Obama de que, em alguns casos, a intervenção se justifica", declarou um diplomata da ONU.

Nick Birnback, porta-voz do Departamento das Operações de Paz das Nações Unidas, disse que a ação na Costa do Marfim é "incomum, mas não sem precedentes". E citou outros exemplos de intervenção, como a que a ONU realizou contra narcotraficantes no Haiti. Mas, para Birnback, na Costa do Marfim a ação mostrou até que ponto o comprometimento legal e moral da ONU com a proteção de civis mobilizou o Conselho de Segurança. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA