Título: Portugal recorre à UE para não falir
Autor: Netto, Andrei
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2011, Economia, p. B15

Anúncio foi feito 15 dias depois de o Parlamento rejeitar pacote de austeridade

O governo de Portugal admitiu ontem que precisa recorrer com urgência aos recursos da União Europeia (UE) para evitar a insolvência de suas contas públicas.

O anúncio do pedido de socorro foi feito à noite pelo primeiro-ministro demissionário, José Sócrates, no dia em que o ágio cobrado pelos títulos da dívida soberana chegou ao ápice: 5,9%, mais 1,6% do cobrado há três semanas. Segundo o premiê, adiar a decisão aumentaria riscos que "o país não deve correr".

No entanto, Sócrates não especificou qual será o volume da ajuda que vai pedir, nem se ela terá o apoio do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (FEEF) - criado no ano passado para garantir a estabilidade do euro - ou se será negociado um programa de ajuste nos moldes do Fundo Monetário Internacional (FMI). O FMI informou não ter recebido nenhum pedido formal de ajuda por parte do governo português, mas estaria disposto a ajudar.

O anúncio do pedido de socorro foi feito em duas etapas. Primeiro, em caráter informal, o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, concedeu entrevista ao Jornal de Negócios na qual admitiu a tensão enfrentada pelo governo no mercado financeiro na mesma manhã.

"O país foi irresponsavelmente empurrado para uma situação muito difícil nos mercados financeiros", afirmou. "Perante esta difícil situação, entendo que é necessário recorrer aos mecanismos de financiamento disponíveis no quadro europeu."

À noite, José Sócrates convocou a imprensa para oficializar a decisão. "O governo decidiu fazer um pedido de assistência financeira à Comissão Europeia", afirmou o premiê. A solicitação foi logo a seguir confirmada por Bruxelas. "O presidente da comissão (José Manuel Durão Barroso) assegurou que o pedido será examinado o mais rapidamente possível e se disse confiante nas capacidades de Portugal de superar suas dificuldades atuais com a solidariedade de seus parceiros", disse o comunicado.

A conclusão do governo de que será necessário buscar auxílio veio depois da operação de captação de ? 1 bilhão em troca de obrigações de curto termo, com validade de 12 meses. Os juros cobrados pelos investidores chegaram a 5,902%, diante de 4,3% exigidos há apenas três semanas, quando foi realizada uma operação semelhante. A situação é grave porque até 15 de abril Portugal deve reembolsar ? 4,2 bilhões em títulos, e outros ? 4,89 bilhões até 15 de junho.

Com a escalada do ágio, o governo de Sócrates ficou ainda mais encurralado, de acordo com Teixeira dos Santos. "O leilão de hoje expressa bem a deterioração das condições de mercado após a rejeição do Programa de Estabilidade e Crescimento", reconheceu, referindo-se às medidas de austeridade propostas pelo governo socialista e recusadas pelo Parlamento em março.

Ainda conforme o ministro, os investidores podem ter certeza de que Lisboa honrará os títulos que já estão no mercado, o que descartaria a moratória e, a priori, também o reescalonamento da dívida.

Zona do euro. Com o sinal positivo para o pacote, Portugal se tornará o terceiro país da zona euro - após Grécia e Irlanda - a recorrer ao FEEF. O programa, já avaliado em ? 75 bilhões, deve ser confirmado pelo fórum de ministros de Economia e Finanças (Ecofin) da zona euro na reunião de hoje e amanhã, em Bucareste. Ontem, Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro de Luxemburgo e coordenador do Ecofin, pediu a Portugal que aprofunde as medidas de austeridade. "Sempre insistimos para o fato de que os Estados que pediram ajuda tiveram antes de fazer todos os esforços possíveis para pôr a casa em ordem."

Longe da meta No ano passado, o déficit público de Portugal foi de 8,6% do Produto Interno Bruto. O compromisso era de um déficit de 7,3%. Para este ano, a meta é de 4,6%.

PARA LEMBRAR

Parlamento recusou plano de austeridade

Há duas semanas, no dia 23 de março, o primeiro-ministro de Portugal, José Sócrates, não conseguiu os votos necessários para passar uma nova lei de austeridade e foi obrigado a apresentar sua renúncia e convocar eleições antecipadas.

Nos últimos meses, Portugal lutava contra a ameaça de ter de recorrer a fundos externos, alegando que sua situação não era como a da Irlanda ou da Grécia. Mas a oposição de centro-direita liderada por Pedro Coelho, que já havia avançado em eleições locais e está na liderança das pesquisas de opinião, usou a situação para derrubar o governo e forçar a convocação de eleições. Sócrates, há seis anos no poder, não teve alternativa diante da derrota no Parlamento e anunciou sua demissão.

O plano recusado pelo Parlamento era o quarto em apenas um ano. Dessa vez, a proposta incluía a redução de até 10% nas aposentadorias.

Sócrates nem sequer ficou para ver a votação, que teve votos contrários de todos os cinco partidos de oposição.