Título: Na TV, opositor marfinense se declara presidente e isola Gbagbo no palácio
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/04/2011, Internacional, p. A10

Roteiro. Ouattara, reconhecido pela comunidade internacional como vencedor da eleição de novembro, segue plano traçado pela ONU e pela França e 'assume' com discurso no qual promete retomar a atividade econômica e os serviços públicos na Costa do Marfim

Falando na TV como o verdadeiro presidente da Costa do Marfim, o opositor Alassane Ouattara anunciou ontem o bloqueio à residência de Laurent Gbagbo - o líder que se recusa a abandonar o poder -, assegurou a volta do país à atividade econômica e garantiu o retorno dos serviços básicos para a população. O pronunciamento foi parte de um plano preparado com a ajuda da ONU e da França para dar legitimidade a Ouattara.

Emmanuel Braun/ReutersÚltimo recurso. Forças leais a Ouattara circulam de caminhão por Abidjã; sem acordo com Gbagbo, presidente eleito decide bloquear palácio presidencial Enquanto isso, tropas da ONU e do governo francês cercaram a residência de Gbagbo, que se nega a aceitar a derrota nas eleições realizadas cinco meses atrás. Mas a ordem era a de não disparar contra o líder - apenas isolá-lo, físicamente, financeira e, acima de tudo, politicamente.

"Sou o presidente de todos", declarou Ouattara. "Cristãos ou muçulmanos, que tenham votado em mim ou não, peço a responsabilidade e dignidade para evitarmos vinganças", acrescentou. Ouattara também prometeu que suas tropas não fariam uma caça às bruxas.

Gbagbo, refugiado num bunker no segundo subsolo da residência presidencial, recebeu a proposta de um acordo há dois dias para permitir sua rendição. Mas queria garantias de que não seria levado ao Tribunal Penal Internacional (TPI) e teria acesso a seus recursos, em contas no exterior.

Sem acordo, Ouattara optou por ordenar que suas forças invadissem a residência. Mas elas se depararam com uma forte resistência. Gbagbo estava sendo protegido pelos últimos 1.000 soldados que ficaram ao lado dele. Na residência, 200 deles manteriam vigilância total para garantir a vida de Gbagbo.

O confronto acabou deixando dezenas de feridos e pelo menos 11 mortos. Na manhã de ontem, o governo francês entrou em contato com Ouattara para pedir que os ataques não se repetissem, já que corriam o risco de ver Gbagbo morto e transformado em mártir.

A opção foi a de cercar a casa com tropas da ONU, o que voltou a causar polêmica em torno do mandato das Nações Unidas. No início da semana, tropas internacionais bombardearam acampamentos militares de Gbagbo, mas justificaram a investida alegando que apenas estavam destruindo armas pesadas que poderiam ser usadas contra a população.

Desta vez, o cerco causou um novo mal-estar. A ONU garantiu que não tem nenhuma intenção de intervir. Mas a Rússia declarou que considerava que a ONU e a França estavam promovendo "a ingerência num conflito interno e apoiando uma das partes".

Mesmo diante das críticas, o plano foi mantido. Com Gbagbo isolado, Ouattara foi à televisão e praticamente inaugurou seu mandato, num discurso com tom de reconciliação política e reconstrução econômica do país. O tom seguia exatamente ponto a ponto um discurso feito horas antes pelo ministro de Relações Exteriores da França, Alain Juppé, ao Senado em Paris. "Queremos uma política do perdão, de reconciliação nacional", declarou o francês, já indicando que a presidência de Ouattara era "inevitável". O chanceler delineava o futuro da Costa do Marfim, nos mesmos moldes apresentados por Ouattara horas depois.

Ouattara fez questão de ignorar Gbagbo em seu discurso, deixando claro que ele já fazia parte do passado. "O bloqueio foi estabelecido", disse, acusando seu rival pela crise humana no país. Mas deixou claro que o levará à Justiça e cooperará com o TPI.