Título: Violência persiste, apesar da prisão de ex-líder marfinense
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/04/2011, Internacional, p. A12

As ruas de Abidjã não têm policiais e tanto Gbagbo quanto o presidente Ouattara armaram aliados que agora buscam vingança

Sia Kambou/AFPApoio. Franceses são saudados por marfinenses durante manifestação na periferia de Abidjã A prisão de Laurent Gbagbo pode ter encerrado a crise política na Costa do Marfim. Mas a crise humana e a violência estão longe de terminar. A ONU alertou ontem que o país africano vive um vácuo de segurança, Abidjã foi tomada pela violência e não há sinais de solução imediata para o drama de milhões de pessoas.

Alassane Ouattara, presidente eleito, assume o poder com um país para ser reconstruído e uma sociedade à beira da guerra étnica. Ele pediu ajuda da França e da ONU para restabelecer a segurança em Abidjã, onde os corpos de 14 jovens foram encontrados ontem. Chefes militares ligados a Gbagbo juraram ontem lealdade a Ouattara.

Após quatro meses de impasse, Gbagbo foi detido em seu bunker na segunda-feira e Ouattara prometeu levar o ex-presidente à Justiça. Moradores de Abidjã ouvidos pelo Estado por telefone disseram que não se atreviam a sair de suas casas e tiros ainda eram ouvidos na cidade. "Estamos todos com medo. Não há policiais na rua e ninguém sabe de fato o que está ocorrendo. Tanto Ouattara quanto Gbagbo armaram centenas de pessoas. Agora, essas milícias estão levando adiante suas revanches pessoais", afirmou Cathy Tourre, estudante de direito em Abidjã. Segundo a ONU, a cidade sofreu inúmeros casos de saques, roubos e violência ontem. Os confrontos ocorreram principalmente nos bairros controlados por milícias pró-Gbagbo.

No oeste do país, a ONU disse ter encontrado 536 corpos. Em geral, os massacres são atribuídos a tropas pró-Ouattara. Mas o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alerta que os mortos podem chegar a mais de 1,5 mil.

Ex-ministro morto. Désiré Tagro, ex-ministro do Interior, morreu ontem em circunstâncias não esclarecidas, um dia depois de ter sido detido juntamente com Gbagbo em Abidjã. Ele tinha sido levado, como os demais detidos, ao Golf Hotel, QG da oposição, confirmou um diplomata.

"O país tem sido cenário de saques, estupros e assassinatos. Além disso, não há água, alimentos e remédios para todos. Enfim, há tudo por fazer agora", declarou Ivan Simonovic, número 2 da ONU. "A crise ainda não acabou. Há um desastre humano de proporções gigantescas esperando por uma resposta", alertou Alain Le Roy, chefe de operações de paz da ONU.

Em novembro, Ouattara venceu as eleições. Mas 40% dos votos foram para Gbagbo, que estava no poder desde 2000. "O país está dividido e tememos uma guerra civil", afirmou Le Roy.

Num telefonema, Ban Ki-moon pediu a Ouattara que ordene a suas tropas que não promovam retaliações contra a população que apoiou Gbagbo. A ONU garantiu que vai trabalhar para o restabelecimento da ordem no país. Mas exige do novo presidente o compromisso de atuar para reunificar o país. O presidente Barack Obama também telefonou a Ouattara para cumprimentá-lo e ofereceu ajuda para restabelecer a segurança.

Ontem, a UE acertou o envio de uma ajuda financeira para Ouattara e o restabelecimento do comércio e da exportação de cacau, fonte de 40% da renda do país. Outra tarefa de Ouattara será a de alimentar sua população. O Programa Mundial de Alimentação da ONU alertou que o plantio começará nas próximas semanas e, se a violência continuar, a safra de meio de ano será insuficiente para alimentar a população.

Ouattara promete levar Gbagbo à Justiça, mas ONGs, a ONU e parte da população exigem também um julgamento para as tropas do presidente."Ouattara tem a obrigação de manter sua palavra e investigar todos os abusos cometidos", afirmou Daniel Bekele, diretor da entidade Human Rights Watch para a África.