Título: Mantega tem brigas no FMI e no G-20
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/04/2011, Economia, p. B12

Posição brasileira em relação à cartilha do controle de capitais ainda causa espanto e País contra intervenção no sistema de preços agrícolas

Duas guerras estão na pauta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, nesta temporada de cerejeiras em flor. Uma delas é contra as nova cartilha para o controle de capitais elaborada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Quase solitário até ontem nessa campanha, o governo brasileiro conseguiu engajar em sua causa o Grupo dos 24 (G-24), formado por países em desenvolvimento. Agora é um Exército Brancaleone. A outra guerra, mais séria, é contra as propostas de intervenção no sistema de preços agrícolas, assunto em debate no Grupo dos 20 (G-20), integrado pelas maiores economias desenvolvidas e emergentes.

A alta de preços das matérias-primas alimenta a inflação em todo o mundo, agrava a situação de centenas de milhões de pessoas nos países mais pobres e foi incluída na pauta do G-20 por iniciativa do governo francês. Será um dos temas da reunião de hoje dos ministros de Finanças do grupo. Esse encontro, sob presidência da ministra da Economia da França, Christine Lagarde, será um dos eventos paralelos à reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial.

Não é intenção da França defender a fixação de preços para as matérias-primas, disse ontem a ministra Lagarde. A ideia, afirmou ela, é propor um sistema de supervisão de mercados para evitar os excessos. O sistema deve incluir informações sobre estoques e capacidade produtiva e estabelecer limites para as posições de compradores e vendedores. O problema da instabilidade agravou-se quando as matérias-primas passaram a ser tratadas nos mercados especulativos como ativos financeiros. Menor instabilidade, argumentou Lagarde, beneficiará tanto consumidores quanto produtores.

O governo brasileiro foi contra a ideia desde sua apresentação, há meses, pelo presidente francês Nicolas Sarkozy. Ninguém propõe supervisão, argumentaram na época as autoridades brasileiras, quando os preços estão baixos. Neste assunto, o Brasil atua em conjunto com outros produtores importantes, como a Argentina. Segundo a ministra, há um mal-entendido a respeito da proposta sobre os preços das matérias-primas.

A ministra se mostrou informada sobre o ingresso "maciço e brutal" de dólares no mercado brasileiro, mas acrescentou não entender bem a "posição de Guido", seu colega brasileiro. Mas estaria de acordo, se o ministro Mantega defendesse um esquema amplo de coordenação e debates, com atenção tanto ao país receptor quanto ao emissor do fluxo de capitais.

Horas depois, o G-24, sob presidência sul-africana, mencionou precisamente esse ponto de vista num comunicado sobre sua reunião da manhã. Segundo o texto, o FMI precisa tratar com "mente aberta" e equidade a gestão dos fluxos de capitais. Deverá levar em conta não só as condições nos países de destino, mas também as políticas nos países de origem, especialmente os centros financeiros "sistemicamente importantes". Trocando em miúdos: não adianta olhar só os países inundados pelos fluxos de dólares, como o Brasil, e ao mesmo tempo deixar em paz os EUA, onde o Fed continua emitindo um monte de dinheiro e criando excesso de liquidez.

Expansionismo. Os problemas causados pela política monetária expansionista no mundo rico também são mencionados no documento do G-24. Como alguns membros do grupo são pobres dependem da importação de comida, o documento menciona a alta dos preços agrícolas como um problema e recomenda adoção de programas de assistência às populações mais afetadas.

Muita gente continuava mostrando perplexidade diante da reação brasileira ao esquema proposto pelo FMI para o uso de controles de capitais. O esquema, ou cartilha, simplesmente sugere uma ordem no uso dos vários instrumentos, dando prioridade às medidas de ajuste macroeconômico e levando em conta as condições específicas de cada país. Ninguém se opôs aos controles adotados pelas autoridades brasileiras. Sem mencionar nomes, o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn, recordou a discussão do assunto na Diretoria Executiva do Fundo, integrada por representantes dos países membros, e declarou-se espantado diante da reação de algumas pessoas "mais católicas do que o Papa".

Durante décadas, lembrou Strauss-Kahn, a instituição havia condenado os controles como malignos. Mas agora, acrescentou, o Fundo tem uma posição "mais pragmática" e admite a utilidade dos controles em certas circunstâncias. "Então, todos os que acham que os controles de capitais podem ser úteis deveriam estar felizes. Mas, vocês sabem, os mecanismos humanos são às vezes difíceis de entender."