Título: China resiste ao trem-bala brasileiro
Autor: Trevisan, Cláudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2011, Economia, p. B7

Vice-ministro do Comércio da China diz que empresas "hesitam" em participar da licitação porque as condições são muito ""duras""

As empresas chinesas "hesitam" em participar da licitação do Trem de Alta Velocidade (TAV) brasileiro porque as condições estabelecidas pelo governo são muito "duras" e alguns trechos da obra apresentam dificuldades para sua execução, afirmou em entrevista ao "Estado" o vice-ministro do Comércio da China, Wang Chao, responsável pelo relacionamento com Brasil.

Na visita que realizou ao País na semana passada, a presidente Dilma Rousseff ressaltou a importância que o Brasil atribui à participação dos chineses na concorrência e o tema entrou no comunicado conjunto assinado por ela e seu anfitrião, o presidente chinês Hu Jintao.

O tema foi tratado em uma frase, segundo a qual a "parte brasileira acolhe positivamente o interesse de empresas chinesas em participar do processo de licitação referente ao trem de alta velocidade brasileiro".

Na interpretação de um diplomata que participou da negociação do texto, isso significa que a porta para a presença chinesa na disputa não foi totalmente fechada. Mas isso exigirá a persuasão das empresas do país ou a mudança em algumas das regras estabelecidas.

"A China quer conhecer melhor as condições do lado brasileiro", observou Wang em entrevista por escrito concedida na segunda-feira, dia em que a presidente brasileira chegou a Pequim para sua primeira visita oficial à China. Nela o vice-ministro também falou da necessidade de compreensão do processo pelo qual a escolha do vencedor será realizada.

A licitação para escolha do vencedor estava marcada para novembro e foi adiada por ausência de interessados - só os coreanos manifestaram disposição de apresentar proposta. A data para realização do leilão já mudou duas vezes e agora está marcada para julho.

Na semana passada, o governo concluiu a votação da medida provisória do trem-bala, com a aprovação no Senado, da proposta que autoriza a União a oferecer garantia de um empréstimo de até R$ 20 bilhões do BNDES ao consórcio do TAV.

Ambiente de negócios. Wang acredita que o interesse das empresas chinesas de investir no Brasil continuará em alta, desde que a economia continue a crescer e o ambiente de negócios se aperfeiçoe. No ano passado, a China foi o país que mais investiu no Brasil, com cerca de US$ 10 bilhões, deixando para trás pela primeira vez parceiros tradicionais do País, como Estados Unidos, Alemanha e Japão.

"O Brasil é um poder emergente, é o maior mercado da América Latina e possui uma economia vibrante", afirmou Wang. Entre as oportunidades mencionadas por ele estão a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016.

Apesar do entusiasmo, o vice-ministro lamentou o fato de a mídia brasileira manifestar críticas aos investimentos chineses "de tempos em tempos", fazendo com que as empresas sejam mais cautelosas.

Na opinião de Wang, os principais problemas enfrentados por companhias chinesas com intenção de se instalar no Brasil são o ambiente de investimentos e a questão das oportunidades de negócios.

Ao mesmo tempo em que quer investimentos chineses, o Brasil deseja diversificar suas exportações para o país asiático, excessivamente concentradas em commodities. A estrutura de comércio bilateral reflete a realidade da oferta e da demanda entre os dois países e Pequim não busca ter superávit nessa relação, afirmou Wang.

Segundo ele, o padrão pelo qual o Brasil exporta produtos primários para o país asiático e importa bens manufaturados poderá mudar no futuro em razão do processo de reestruturação da economia chinesa, que tem o objetivo de ampliar o peso do consumo doméstico e reduzir o da exportação na composição do PIB.

Outra maneira de diversificar as vendas externas é abrir mais o mercado para investimentos estrangeiros. Wang também defendeu a redução do "custo Brasil" e o aumento da competitividade da indústria.

Economia de mercado. O vice-ministro criticou o fato de o Brasil não ter até hoje cumprido a promessa, feita há sete anos, de reconhecer a China como economia de mercado. "Isso contraria os compromissos assumidos pelo governo brasileiro e não corresponde à situação atual da China", ressaltou.

No período de 2006 a 2010, o número de medidas de proteção comercial adotadas pelo Brasil contra a China aumentaram de maneira "significativa", disse Wang. O não reconhecimento da China como economia de mercado torna mais simples a aplicação de medidas antidumping, já que a comparação de preços pode ser feita com qualquer outro país e não com os preços que são praticados dentro da China.

Durante a visita de Dilma a Pequim, o Brasil se comprometeu a reconhecer o país como economia de mercado de maneira "expedita", repetindo expressão que estava no Plano de Ação Conjunto assinado no ano passado.

Segundo Wang, vários países já concederam esse status à China, entre os quais Coreia do Sul, Noruega, Nova Zelândia, África do Sul, Chile e Peru.