Título: Controle de capitais opõe Brasil, UE e EUA
Autor: Kuntz, Rolf
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/04/2011, Economia, p. B9

Barreiras só em último caso, defendem EUA e europeus; Brasil quer liberdade de ação

Brasileiros e europeus entraram em confronto direto no debate sobre controle de capitais, na reunião ministerial de ontem no Fundo Monetário Internacional (FMI). Os governos devem ter liberdade para agir como julgarem necessário, quanto tiverem de conter a ingresso de dinheiro indesejado, disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Posição contrária foi sustentada pelo presidente do Conselho de Ministros de Economia e Finanças da União Europeia, o húngaro György Matolcsy: políticas macroeconômicas e medidas prudenciais devem ser a primeira linha de defesa, sempre, contra fluxos excessivos de capitais.

Mantega se opôs a códigos de conduta ou cartilhas para a gestão dos fluxos de capitais. O excesso de dinheiro criado no mundo rico - uma consequência de políticas monetárias frouxas, principalmente nos Estados Unidos - afeta os mercados de matérias-primas, causa inflação e força a valorização das moedas nacionais nos países inundados por grandes volumes de recursos.

Os controles implantados nesses países, incluído o Brasil, são ações de auto-defesa contra as políticas adotadas nos países emissores de moedas de reserva, argumentou. Quase solitário, inicialmente, na defesa dessa posição, o governo brasileiro conseguiu na quinta-feira mobilizar o apoio dos demais países do Grupo dos 24, formado por economias em desenvolvimento.

Posição dos EUA. O secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, também apoiou a adoção de regras e o uso de controle de capitais apenas como último recurso e a inclusão do tema nas consultas e avaliações periódicas das políticas dos países membros. Ele tratou do assunto apenas brevemente, no último parágrafo de seu discurso.

Os Estados membros da União Europeia defendem a formulação de um esquema ou de linhas de orientação tanto para emissores quanto para receptores de capitais, disse o ministro Matolcsy. Segundo ele, o FMI deveria, mais tarde, integrar esses princípios em seus critérios de supervisão.

Além disso, essas inovações poderiam resultar, noutro estágio, numa emenda aos estatutos do Fundo, acrescentou o representante europeu.

O governo brasileiro só aceita um desses pontos: os órgãos supervisores, como o FMI, deveriam olhar também as políticas nos países de onde partem os grandes fluxos de capital, como os Estados Unidos.

Mas continua rejeitando linhas de orientação, instruções sobre sequência de medidas e qualquer tentativa de incluir a cartilha nos critérios de consulta ou de supervisão.

Quanto aos estatutos, o ministro Mantega tem defendido precisamente o respeito ao artigo 6.º, onde se reconhece aos países membros o direito de administrar livremente os fluxos de capitais.

Defesa da OCDE. Moderação no uso de controles de capitais foi defendida também pelo secretário-geral da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Angel Gurría.

"A reintrodução do controle de capitais pode ter um papel, mas só como último recurso e com medidas temporárias em circunstâncias específicas", disse Gurría.

Ao recorrer a controles, os países deveriam seguir princípios de transparência, não-discriminação, proporcionalidade e responsabilidade, contidos há meio século no Código de Movimentos de Capitais da OCDE, acrescentou o executivo.

A inclusão do controle de capitais na caixa de ferramentas da política econômica foi anunciada há menos de um mês pelo FMI. Há um ano, como lembrou o diretor-gerente da instituição, Dominique Strauss-Kahn, controles desse tipo eram considerados malignos. Agora são aceitáveis, mas o staff do Fundo propõe, com apoio dos sócios mais poderosos, uma cartilha sobre gestão de fluxos de capital.

A cartilha recomenda várias medidas antes do uso de barreiras, incluídas a acumulação de reservas, a redução dos juros e a valorização da moeda nacional -- se as condições da economia permitirem esses passos. A discussão vai continuar.

O debate, ontem, marcou a reunião do Comitê Monetário e Financeiro do FMI, formado por 24 ministros e representativo dos 185 países membros.