Título: Dilma terá de unir interesses opostos
Autor: Paraguassu, Lisandra ; Rosa, Vera
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/04/2011, Economia, p. B1

Exportadores de commodities e indústrias têm expectativas distintas em relação à China

Dilma Rousseff desembarca em Pequim na segunda-feira como representante de dois grupos distintos e com interesses contraditórios em relação à China: os exportadores de commodities, que se beneficiam da explosiva demanda do país de 1,3 bilhão de habitantes, e o setor industrial, que teme ser dizimado pela concorrência da maior potência manufatureira do mundo.

Essa espécie de esquizofrenia cria um enorme desafio para a presidente, que buscará manter e ampliar as vantagens das empresas que vendem produtos primários ao mesmo tempo em que tenta encontrar caminhos para diversificar a pauta de exportações, com a inclusão de mais produtos industrializados e de alto valor agregado.

A espetacular emergência da China transformou o país no principal importador de uma série de commodities e matérias-primas necessárias para alimentar seu crescimento, muitas das quais são exportadas pelo Brasil.

Esse processo elevou a China ao primeiro lugar entre os maiores clientes brasileiros, acima dos tradicionais parceiros americanos e dos argentinos, vizinhos e sócios no Mercosul.

Também provocou uma radical mudança na composição das exportações brasileiras, com aumento da participação dos produtos básicos, que no ano passado superaram os bens industrializados pela primeira vez em décadas - a fatia foi de 44,6%, comparada a 39% dos manufaturados.

Em 2001, quando a demanda chinesa por commodities começou a acelerar, a fatia de bens primários era de 26,35% e a de industrializados, de 56,51%.

Minério de ferro. No ano passado, o país asiático foi o maior ou o segundo maior comprador dos três principais produtos exportados pelo Brasil: minério de ferro, petróleo e soja. Juntos, os três itens responderam por 28% dos embarques brasileiros, com vendas de US$ 56,1 bilhões, metade das quais à China.

As exportações de minério de ferro ao país asiático alcançaram US$ 13,34 bilhões, quatro vezes mais que os US$ 3,27 bilhões adquiridos pelo segundo maior cliente, o Japão.

A matéria-prima é essencial para alimentar a gigantesca indústria siderúrgica chinesa, que produziu no ano passado 626,7 milhões de toneladas de aço, o equivalente a 44% do total mundial e a 440 vezes a fabricação brasileira de 32,82 milhões de toneladas.

Em um sintoma das contradições que marcam a relação bilateral, a China foi o país de onde o Brasil mais importou produtos de ferro e aço no ano passado, com aquisições no valor de US$ 1,04 bilhão, ou um terço das compras totais nesse segmento - o minério de ferro atravessou o planeta para voltar na forma de bens industrializados.

Petróleo. Segundo maior importador de petróleo do mundo, a China é o país mais relevante para as vendas externas da Petrobrás depois dos Estados Unidos. No ano passado, as importações chinesas somaram US$ 3,85 bilhões, o que correspondeu a 24% dos embarques de US$ 16,15 bilhões da Petrobrás.

Mas a soja é o terreno no qual o domínio da China é absoluto. O produto ficou em terceiro lugar na pauta de exportações brasileiras em 2010, com vendas de US$ 11,04 bilhões, das quais US$ 7,13 bilhões - 65% do total - foram destinadas à China.

Enquanto os setores primários se beneficiam da explosão da demanda chinesa e da alta de preços provocada por ela, a indústria sofre com a feroz concorrência das exportações do país asiático, dentro e fora do Brasil.

Estudo divulgado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) no ano passado mostrou que entre 2004 e 2009 a concorrência de produtores chineses tirou da indústria brasileira US$ 12,6 bilhões em exportações a seus três principais mercados: Estados Unidos, Argentina e União Europeia (UE). O levantamento mostrou ainda que a disputa com a China custou à indústria local US$ 14,4 bilhões em vendas internas.

Nos seis anos analisados, a China dobrou a participação nas exportações de bens industriais à UE, para 22%, enquanto a presença do Brasil passou de 1% para 1,2%. Nos EUA, a fatia chinesa passou de 11% para 25%, enquanto a brasileira caiu de 1,2% para 1%.

Segundo a Fiesp, a principal razão para a substituição de produtos brasileiros por chineses é o câmbio, desvalorizado na China e valorizado no Brasil.

"Enquanto a taxa de câmbio chinesa permaneceu praticamente estagnada em patamar estimulante às exportações, o Brasil assistiu a permanente valorização de sua moeda", avaliou o estudo, divulgado em junho do ano passado.

Câmbio Segundo a Fiesp, a principal razão para a substituição de produtos brasileiros por chineses é o câmbio, que se mantém desvalorizado na China e valorizado no Brasil.