Título: Apoio externo permite burlar rede de censura
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/04/2011, Internacional, p. A10

Rede de internautas garante que informações sobre a onda de violência contra opositores seja[br]conhecida no mundo

Mohammad Hamed/ReutersReforço. Manifestantes reúnem-se em frente à embaixada síria em Amã para protestar contra assassinos e detenções Na sexta-feira, durante o dia mais sangrento da onda de protestos contra o governo na Síria, o jovem Rami Nakhle transmitia informações do que acontecia no país pela internet. O Twitter fervilhava com mensagens de agitação e conversas à toa. No Skype, Nakhle entrou numa conversa de exilados sírios, informando pessoas no mundo todo e dando forma ao maior desafio de quatro décadas ao regime da família Assad na Síria.

"Está ouvindo?" gritava Nakhle, mostrando um vídeo com pessoas entoando slogans pela queda do governo. "Isto é a Síria, cara! É inacreditável!"

Diferentemente das revoltas no Egito, na Tunísia e na Líbia, que foram televisionadas para o mundo, a revolta na Síria se distingue pelo poder de uma vanguarda autonomeada no exterior de transmitir imagens e notícias que são anárquicas e iluminadoras, mas incompletas.

Durante semanas, o pequeno número de ativistas espalhados pelo Oriente Médio, Europa e EUA se coordenou e conseguiu contrabandear centenas de telefones celulares convencionais e por satélite, modems, laptops e câmeras para a Síria. Lá, compatriotas contornam a vigilância com software transmitido por e-mail e vídeos postados via conexões por discagem. Esse tipo de trabalho garantiu o que um dia foi impossível.

Em 1982, o governo sírio conseguiu ocultar, durante algum tempo, seu massacre de pelo menos 10 mil pessoas em Hama, numa repressão brutal a uma revolta islâmica. No sábado, porém, o mundo pôde testemunhar, quase em tempo real, os cantos de ódio e o choro pelos caídos quando forças de segurança dispararam sobre os acompanhantes dos funerais dos mortos durante os protestos na sexta-feira.

Os ativistas abalaram a confiança do governo do presidente Bashar Assad, obrigando-o a enfrentar a realidade de que ele cedera quase inteiramente a narrativa da revolta a seus adversários no país e no exterior.

"O estilo paranoico do governo se tornou óbvio", disse Joshua Landis, um professor de estudos do Oriente Médio na Universidade de Oklahoma. "Esses ativistas mudaram o equilíbrio de poder do regime, e isso tudo se deve às mídias sociais."

Embora poucos questionem a amplitude do levante, há diferenças em sua profundidade em cidades pequenas e grandes. "Ciberativistas" fora da Síria criam slogans de unidade para uma revolta que o governo insiste que é inspirada por islâmicos militantes. As vozes de manifestantes, contrabandeadas do exterior, abafaram os sentimentos dos defensores do presidente, que incluem a elite próspera e minorias assustadas de cristãos e seitas muçulmanas heterodoxas.

Clandestino. Nakhle, de 28 anos, vive num local secreto para travar essa disputa. Com o idealismo da juventude, ele partiu de sua cidade natal, em 2006, para Damasco, onde descobriu a internet.

"Um mundo absolutamente novo para mim", assim ele a chamou, e logo ampliou seu ativismo com campanhas via internet pela libertação de presos políticos e, mais dramaticamente, pelo fim do estado de emergência na Síria. Ele inventou um pseudônimo, Malath Aumran - uma piada interna baseada em apelidos familiares - e criou um retrato para as redes sociais: uma foto composta de 32 homens. Em dezembro, a polícia secreta o perseguia. "Isso é tudo de que eles precisam - suspeita", disse ele.

Numa jornada apavorante, no mês seguinte, contrabandistas em motocicletas o carregaram até a fronteira, onde ele escapou por pouco da polícia e passou a noite num vale pedregoso antes de ir para um bairro operário nos arredores.

As regalias são poucas; num apartamento acanhado, cigarros, chá, café, açúcar e chá mate coroam sua mesa de café.

"Sou um ciberativista", disse. "Enquanto eu tiver a internet, é isso." Magro e com olhos injetados de sangue, Nakhle navegou por uma cascata de informações na sexta-feira - uma conversa frenética por Skype com 15 pessoas na Síria, um fragmento de vídeo de Tartus, um telefonema de um amigo em Damasco, e consultas de jornalistas por contatos em cidades remotas.

Alguém que ele acredita que seja um agente da polícia secreta enviou-lhe uma mensagem ameaçadora: "Há notícias de que um membro da tua família foi apanhado pelo serviço secreto." Nakhle mudou o chip do seu celular e ligou para casa, sem tirar os olhos da tela do computador. A notícia era falsa.

Outra mensagem falava do fim de um protesto em Aleppo. "Não vou publicar isso", disse ele, sabiamente.

Nakhle faz parte de uma rede que literalmente se espalha pelo mundo. Entre os participantes está uma sírio-americana em Chicago, que disse que ficou cansada de simplesmente ficar assistindo à Al-Jazira, e Ausama Monajed, um ativista em Londres nascido em Damasco que dirige com seu laptop aberto conectado à internet sobre o assento do passageiro, rodando software de transformação de fala em texto.

Monajed calcula que 18 a 2o pessoas estão engajadas em ajudar a coordenar e cobrir os protestos em tempo integral, embora alardeie que consegue encontrar alguém em sua comunidade mais ampla para traduzir do inglês para o francês às 4 horas da manhã. Em cada província síria, ele tem um contato que, por sua vez, tem sua rede de 10 pessoas. "E o regime não pode fazer nada sobre isso", disse.

Cidadãos britânicos Com o aumento da violência, o Ministério de Relações Exteriores da Grã-Bretanha pediu ontem que todos os britânicos deixem a Síria enquanto voos comerciais ainda operam no país.