Título: Rumo à Europa, medo e confusão
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2011, Internacional, p. A18

Na madrugada entre 2 e 3 de março, Murad Hassan, de 32 anos, despediu-se da mulher num bairro da periferia de Túnis. Nem ele nem sua mulher encontraram coragem para falar naquele momento. Não acordou seus três filhos para não chorar. Um carro já o esperava na porta de casa. Era um de seus primos que o levaria até um porto clandestino fora da cidade para que ele pegasse um barco em direção à Ilha de Lampedusa, na Itália. Hassan deixava para trás toda sua família, mas tinha a esperança de, um dia, reunir os parentes na Europa.

Quase dois meses depois, o imigrante ainda não chegou à França, seu sonho, e continua sendo jogado de um lado para outro pelas autoridades. Na realidade, não sabia nem para qual cidade queria ir. "Só queria entrar na França. Lá vou descobrir para qual cidade vou", disse ao Estado, enquanto esperava seu almoço ser entregue pela Cruz Vermelha na estação de trem de Ventimiglia.

Hassan chegou a ser preso pelo regime de Zine el-Abidine Ben Ali por participar das manifestações. Decidiu, ainda na prisão, que abandonaria o país, com ou sem democracia, e usou todas suas economias para pagar a passagem de barco entre a Tunísia e a Itália. Viajou apenas com a roupa do corpo, documentos, um celular e 200.

Sentado na borda de um barco com cerca de 50 passageiros, Hassan enfrentou um mar agitado na noite da viagem, que levou mais de 20 horas. "No começo, o mar estava calmo e fomos bem. Mas quando o dia começou a surgir, foi um inferno. Vi a morte com meus olhos."

Em solo italiano. Horas depois, os imigrantes foram resgatados por um barco da polícia italiana e levados para Lampedusa. Mas o inferno estava apenas começando. "Ao desembarcar, fomos levados a um centro de detenção, com grades e impedidos de sair. Não esperava isso."

Depois de uma semana no local, foi transferido para Bari. Duas semanas depois, o centro recebeu a visita de autoridades que começaram a entregar vistos de seis meses. Com o dinheiro que tinha, comprou uma passagem de trem para Roma e, de lá, na direção de Nice, na França. Mas quando chegou na fronteira, na cidade de Ventimiglia, foi impedido de entrar no país pela polícia francesa.

Hassan está em Ventimiglia há dez dias. Seu dinheiro acabou e ele come o que lhe é oferecido pelas entidades de caridade. O imigrante não conseguiu lugar no albergue montado pela Cruz Vermelha e dorme numa ala abandonada da estação de trem de Ventimiglia. Pela noite, os guardas trancam a ala com um portão de barras. Não por acaso, o local é conhecido pelos imigrantes como "sijn", ou prisão em árabe.