Título: Acordo Fatah-Hamas é oportunidade de ouro para paz
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/05/2011, Internacional, p. A21

ENTREVISTA - Mustafá Barghouti, político palestino independente

Mustafá Barghouti é um animal curioso na fauna política palestina. Nascido em Jerusalém, ele ganhou notoriedade como implacável crítico do poder burocrático e corrupto da OLP de Yasser Arafat, que até pouco tinha hegemonia sobre a política em Ramallah. Mas o Hamas tampouco fica imune a seus ataques. Barghouti condena a opção radical religiosa - ele tem formação laica e socialista, estudou medicina na União Soviética - e recusa todo o tipo de resistência violenta a Israel. "Sou contra o autoritarismo do Fatah e o fundamentalismo do Hamas", resume.

Em 2005, nas eleições presidenciais para escolha do sucessor de Arafat, o político independente terminou em segundo lugar, com 19,5%, sendo derrotado pelo atual presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas. Em 2007, integrou o breve governo de união entre Fatah e Hamas como ministro da Informação. Nos últimos anos, vinha tentando aproximar as facções rivais e foi um dos negociadores do acordo anunciado na quarta-feira. A seguir, trechos de sua conversa por telefone com o Estado.

Por que o sr. está tão otimista com esse acordo entre o Fatah e o Hamas?

Tomei parte no acordo, enquanto mediador, e vejo ele como algo extraordinário. Esse pacto leva à reunificação dos territórios palestinos e dos governos, além de permitir uma estratégia comum aos palestinos. Ele ainda traz de volta a democracia palestina, dá a vida ao Parlamento e às demais instituições do Estado. Sobretudo, é uma oportunidade de ouro para a paz.

Mas quais são as implicações concretas desse acordo para o processo de paz?

Agora, ninguém pode recusar o diálogo com o argumento de que não há um interlocutor que fale por todos os palestinos. A população estava saindo às ruas para exigir o fim da divisão e nós lutamos muito para conseguir esse acordo.

Há ainda alguns pontos obscuros do acerto - por exemplo, como unificar as forças dos dois lados, inimigas há décadas. Isso pode de alguma forma ameaçar a unidade palestina?

O acordo prevê que, inicialmente, a situação das forças de segurança permaneça a mesma na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O status quo será mantido. Em seguida, haverá a formação de um comitê unificado, que deverá dar início ao processo de integração de forma gradual. O mais importante, porém, é que teremos eleições dentro de um ano. Após a votação, todo o aparato de segurança deverá ficar submetido à autoridade do governo eleito.

Parece bem otimista, considerando a inimizade histórica entre Fatah e Hamas.

Para mim, a chave do sucesso nesse processo é romper com a divisão entre facções dentro do aparato de segurança. É essa a verdadeira unificação.

O sr. acredita que os EUA, ou mesmo a União Europeia, manterão a atual ajuda à Autoridade Palestina caso o Hamas - considerado por ambos um grupo "terrorista" - venha a integrar um governo em Ramallah?

O Hamas é parte da sociedade palestina e do espectro político palestino. O grupo islâmico mudou muito nos últimos tempos, em boa medida por causa do diálogo que temos mantido com seus líderes. Acredito que eles estão cada vez mais inclinados a aceitar métodos não violentos de ação. O Hamas esteve 100% comprometido com o cessar-fogo em Gaza, por exemplo. Digo que será uma oportunidade de ouro para a paz porque todos os palestinos estarão representados em um governo unificado. Se há uma divisão e o Hamas fica de fora do sistema político, significa que qualquer acordo que seja alcançado não será respeitado por eles.

Mas, novamente, o sr. considera possível que os EUA mudem de posição e aceitem ajudar um governo integrado pelo Hamas?

A chave aqui é que os EUA adotem uma posição independente em relação a Israel. Em 2006 (quando o Hamas chegou em primeiro nas eleições e foi formado uma coalizão com o Fatah), a comunidade internacional e os EUA estavam inclinados a reconhecer o novo governo. Só que Israel fez uma forte pressão no sentido contrário e, ao final, europeus e americanos cederam.

Israel não parece ter mudado de posição.

Exatamente. As reações ao acordo de quarta-feira mostram isso. O ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, disse claramente que recusava o acordo porque "quando os palestinos estão divididos, eles são fracos". Ele quer que sejamos fracos para nos impor um acordo. Não é essa a posição de alguém que realmente quer fazer a paz. Por muito tempo, os israelenses se recusaram a dialogar porque não havia alguém que falasse por todos os palestinos. Portanto, se estamos divididos ou se estamos unidos, nós é que somos "contra a paz". A verdade é que são eles que não estão prontos para um acordo de paz, simplesmente porque não aceitam os compromissos já acertados para uma solução de dois Estados.

QUEM É

Médico e líder da ONG Iniciativa Nacional Palestina, foi ministro da Informação durante o breve governo de coalizão entre Hamas e Fatah, em 2007. Candidato nas eleições palestinas de 2005, ficou em segundo lugar, atrás do atual presidente palestino, Mahmoud Abbas. Hoje, é membro do Conselho Legislativo Palestino