Título: Países ocidentais exigem explicação do Paquistão
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/05/2011, Internacional, p. A12

EUA, Grã-Bretanha e França querem saber como Bin Laden conseguiu se esconder em mansão ao lado de quartel do Exército

Governos de vários países cobraram ontem do Paquistão uma explicação para o fato de Osama bin Laden ter vivido seus últimos anos em um grande centro urbano do país, a 800 metros de uma das principais academias militares paquistanesas. A localização de Bin Laden fez ressurgir o debate sobre o compromisso de Islamabad de lutar contra o terrorismo.

Nos EUA, a CIA confirmou as suspeitas que tinha sobre a relação entre Islamabad e Bin Laden, tanto que a agência não avisou o Paquistão sobre a operação para evitar que a informação vazasse e o terrorista escapasse.

Quem também levantou dúvidas sobre o compromisso do Paquistão com a guerra ao terror foi o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, David Cameron. "Todos, inclusive o governo, terão de dar explicações. Há muitas perguntas que terão de ser respondidas", disse.

A França também criticou o Paquistão. "É difícil imaginar que a presença de alguém como Bin Laden em uma cidade pequena passava despercebida", disse o chanceler francês Alain Juppé. O Departamento de Combate ao Terrorismo da ONU questionou Islamabad sobre o fato de o país nunca ter mencionado que Abbottabad, cidade onde estava o saudita, fosse um potencial alvo de buscas.

As críticas a Islamabad foram ainda mais duras por parte de seus vizinhos. O governo indiano acusou o paquistanês de ter transformado o país em um santuário de terroristas. Indignado, Hamid Karzai, presidente do Afeganistão, voltou a dizer a guerra para encontrar Bin Laden estava "no país errado".

Apesar das críticas, o Ocidente sabe que não pode isolar o Paquistão e deixa-lo à mercê de radicais. Cameron falou ontem ao telefone com Zardari e prometeu que os dois países continuarão a trabalhar contra o terrorismo. "O melhor é engajar o Paquistão, não abandoná-lo", disse o premiê britânico. Diplomatas da Otan também admitem que o pior dos cenários seria ver o Paquistão nas mãos de extremistas, especialmente por causa das armas nucleares que o país possui.

Críticas. Nem mesmo os próprios paquistaneses pouparam Islamabad de críticas. Parte da população cobra explicações sobre o fato de os EUA terem violado a soberania do país e conduzido uma operação militar em seu território. "O que ocorreu foi uma afronta a uma nação de 180 milhões de pessoas", afirmou Hamid Gul, ex-diretor do serviço de inteligência. "Os militares nos venderam aos EUA."

No Paquistão, Washington tem sido alvo de duras críticas por conta de suas ofensivas nos últimos meses. Recentemente, um agente da CIA foi sequestrado por radicais depois de ter assassinado duas pessoas. Os EUA tiveram de pagar US$ 2,3 milhões para libertá-lo.

O temor do governo paquistanês é o de que a presença americana no país dê mais força aos radicais. Diante da situação, Islamabad adotou dois discursos. No Paquistão, o presidente Asif Ali Zardari diz que não participou da operação que matou Bin Laden. Para o resto do mundo, ele reafirma o compromisso na luta contra o terror e nega que soubesse onde estava Bin Laden ou que o país seja um santuário de terroristas.

"Essa é uma especulação sem base. Bin Laden não estava em nenhum lugar onde esperávamos que estivesse", disse Zardari. "Somos, talvez, uma das maiores vítimas do terrorismo", escreveu o presidente em um artigo no Washington Post. "A guerra contra o terrorismo é tanto uma guerra do Paquistão como é dos EUA."

Islamabad estima que 30 mil pessoas morreram no país em dez anos por conta da guerra contra o terror. A partir de hoje, o primeiro-ministro do Paquistão, Yousuf Gilani, fará uma viagem oficial à Europa para participar de reuniões com países do G-8 e da União Europeia para dar garantias de que continua comprometido com a causa.

Os dois discursos, interno e externo, causaram contradições evidentes. Em declarações à agência Reuters, fontes do serviço de inteligência paquistanês garantiram que Islamabad participou da operação que matou Bin Laden. " Sem nossa participação, ela não teria sido um êxito", disse um funcionário. "Foi uma operação conjunta, que coloca um fim às alegações de que não cooperamos", afirmou Wajid Shamsul Hasan, alto comissário do Paquistão para a Grã-Bretanha. Em outra declaração, o mesmo serviço de inteligência admitiu que o governo estava "envergonhado" por não ter percebido que Bin Laden estava tão próximo de seus militares.