Título: Temores e fracassos
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/05/2011, Economia, p. B11

Classe política dos EUA impede de tratar da crise real: os milhões de homens e mulheres americanas que não conseguem emprego

Do PIB ao emprego no setor privado, das pesquisas nas empresas aos novos pedidos de salário-desemprego, os principais indicadores econômicos sugerem que a recuperação está enfraquecendo.

Aliás, nem foi bem uma recuperação. O emprego cresceu em relação ao seu patamar mais baixo, mas não cresceu mais rapidamente do que a população adulta. E a situação dos desempregados continua se agravando: mais de 6 milhões de americanos estão sem uma ocupação há mais de seis meses, e mais de 4 milhões há mais de um ano.

Seria bom que alguém em Washington mostrasse que está realmente preocupado.

Não que nossa classe política esteja se sentindo à vontade. Ao contrário, o discurso econômico está saturado de temores: o temor de uma crise da dívida, de uma inflação descontrolada, de uma desvalorização desastrosa do dólar. Os políticos estão conscientes de histórias assustadoras neste sentido.

Entretanto, nenhuma delas reflete o que está realmente acontecendo, ou poderá acontecer. E embora as ameaças sejam imaginárias, o temor destas ameaças imaginárias tem consequências reais: a ausência de ação para tratar das crises reais, o sofrimento que está sendo experimentado por milhões de americanos desempregados e suas famílias.

O que é que Washington teme em realidade? Em primeiro lugar, teme-se que os déficits do orçamento provoquem uma crise fiscal a qualquer momento. Na realidade, várias pessoas estabeleceram até um prazo específico: coisas terríveis acontecerão dentro de dois anos se não adotarmos cortes drásticos dos gastos.

Não tenho a menor ideia de onde tenham ido buscar este prazo de dois anos. Afinal, o que faremos nos próximos dois anos não importa absolutamente para a solvência dos Estados Unidos, que depende fundamentalmente do que faremos a longo prazo a respeito do Medicare e dos impostos. E, por outro lado, os investidores reais - as pessoas que colocam dinheiro real - não estão preocupados com uma crise fiscal a curto prazo: o Departamento do Tesouro continua não tendo problemas em vender títulos da dívida e continua com capacidade para tomar dinheiro emprestado a um custo muito barato.

Será que os boateiros acreditam nas histórias que eles mesmos criam? Talvez não. Como Jonathan Chait da revista The New Republic observa, os políticos mais dados à retórica apocalípticas sobre o déficit também se opõem terminantemente a todo aumento dos impostos; eles afirmam que a dívida está destruindo os EUA, mas prefeririam deixar que isto acontecesse a aceitar um centavo sequer de aumento dos impostos.

O déficit não é o único temor infundado. Já escrevi anteriormente sobre o temor equivocado da inflação, mas, por enquanto, prefiro tratar de uma nova questão que repentinamente começou a crescer nos artigos de opinião e nos comentários durante as entrevistas: o temor de uma desvalorização desastrosa do dólar, (Quem será que distribui memorandos dizendo às pessoas do que devem ter medo, e por que ainda não recebi nenhum?). O que vocês jamais saberão com todas as agitadas discussões sobre o dólar é que a recente queda do dólar na realidade é mínima em comparação com as grandes quedas ocorridas no passado, principalmente no governo de George W. Bush, e durante o segundo mandato de Ronald Reagan. E também jamais saberão que estas quedas anteriores do dólar, longe de prejudicar a economia, foram benéficas, porque ajudaram os produtos americanos a competir.

Mas voltemos ao efeito destruidor da preocupação com monstros invisíveis. Pois o perigo claro e presente para a economia americana não é o que as pessoas imaginam que possa acontecer um dia desses, mas o que está acontecendo neste momento.

O desemprego não só está degradando as vidas de milhões, como está comprometendo o futuro dos Estados Unidos. Quanto mais isto se prolongar, mais os trabalhadores acharão impossível a voltar ao emprego, mais os jovens verão os seus projetos destruídos porque não podem encontrar um emprego decente para começar. Talvez isto não seja tema para uma conversa animada na TV a cabo, mas a crise do desemprego é real, e está destruindo a nossa sociedade.

Entretanto, toda e qualquer ação para ajudar os desempregados é vetada pelos boateiros. Deveríamos gastar somas modestas com a criação de empregos? De modo algum, afirma a linha dura do déficit, que nos ameaça com a ira totalmente hipotética dos mercados financeiros, e, na realidade, exige que cortemos os gastos agora, neste momento, já - o que poderá nos mandar de volta para a recessão. Será que o Fed deveria fazer mais do que promover a expansão? Não, afirmam os falcões da inflação e do dólar, que continuam errando, mas insistem que desta vez suas desesperadas advertências sobre o descontrole dos preços e a desvalorização do dólar acabarão se justificando.

Portanto, estamos pagando um preço enorme pela obsessão de Washington pelas ameaças fantasmas. Procurando problemas em todos os lugares errados, nossa classe política nos impede de tratar da crise real: os milhões de homens e mulheres americanas que não conseguem emprego. / TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA