Título: Planos de reforma de Assad acabaram atropelados pela onda de protestos
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2011, Internacional, p. A18

ENTREVISTA - Michel Aoun, general libanês, líder do Movimento Patriótico Livre

Quarenta dias antes do início dos protestos na Síria, o general Michel Aoun esteve com o presidente da Síria, Bashar Assad, seu aliado. No encontro, em Damasco, Assad disse a Aoun que iniciaria reformas, porque "a estrutura do Estado não pode responder às aspirações do povo sírio e à situação interna", segundo o relato do militar, um cristão maronita, ex-presidente e ex-primeiro-ministro do Líbano. Os supostos planos de Assad foram atropelados pelos protestos.

Líder do Movimento Patriótico Livre, aliado do grupo xiita Hezbollah, que é patrocinado pela Síria e pelo Irã, Aoun quer indicar o ministro do Interior do novo governo libanês, encarregado da polícia e da organização das eleições. A resistência na coalizão a essa indicação paralisa desde janeiro a formação do gabinete. Em entrevista exclusiva ao Estado, Aoun, de 76 anos, acusa o Ocidente de atacar um país "moderno e laico", a Síria, ao mesmo tempo em que apoia regimes "autoritários e teocráticos" no Golfo. Antigo inimigo de Damasco, o general explica que mudou de lado depois da retirada síria do Líbano, em 2005, em nome das boas relações com o vizinho.

O que o presidente Bashar Assad lhe disse no início do ano? Ele me convidou para jantar em Damasco. Disse que faria reformas porque a estrutura do Estado não pode responder às aspirações do povo sírio e à situação interna.

O sr. falou com ele depois?

Às vezes trocamos ideias. O fato de as reformas terem sido exigidas pelo povo sírio diminuiu o efeito da intenção de Assad. De qualquer maneira, ele anunciou as reformas. Uma parte do povo sírio, que realmente quer as reformas, acalmou-se e deixou de participar das manifestações. Certamente os radicais islâmicos vão continuar. À medida que a participação no movimento diminuiu, apareceram armas e muitos incidentes ocorreram. Não são mais reivindicações pacifistas e democráticas de reformas políticas. Tornaram-se uma revolução armada para derrubar Assad. Há um uso da força contra a força, não contra manifestantes.

O sr. era inimigo da Síria. O que o fez mudar de posição?

Havia um conflito porque a Síria ocupava o Líbano. Eu lutava para recuperar a independência e soberania do Líbano. A Síria se retirou e é preciso ter boas relações com um país vizinho. Agora há uma situação de normalidade. Mesmo durante o combate, eu dizia que depois da retirada dos sírios teríamos boas relações.

O atual impasse na formação do gabinete libanês tem a ver com seu desejo de indicar o ministro do Interior?

É meu direito nomear o posto mais eminente nesse ministério. Sou o maior bloco no interior da nova maioria.

E como o sr. acha que se poderá sair desse impasse?

Não é um impasse. É responsabilidade do primeiro-ministro formar o governo. Não deveria demorar. Já se passaram quase quatro meses. Isso vai desencadear uma nova crise.

O sr. não acha que, pela estabilidade do Líbano, o Hezbollah deveria entregar suas armas, como fizeram os outros grupos?

Ainda não. A hora vai chegar. Isso não será para sempre.

Qual a utilidade dessas armas?

Defender nosso país contra as agressões israelenses. Todos os dias, temos sobrevoos israelenses. Temos 500 mil refugiados palestinos. Precisamos encontrar uma solução aceitável para essa gente. Não podemos integrá-los. Eles estão esperando para voltar para o país deles.

Israel argumentaria que precisa sobrevoar o Líbano por causa das armas do Hezbollah.

O que podemos fazer se eles podem interferir em qualquer área do Oriente Médio, com as armas mais sofisticadas? Têm F-15, F-16, F-18, mísseis, bombas de fragmentação. O Hezbollah tem apenas foguetes. Não há equilíbrio entre o que o Hezbollah e Israel têm.

Por que o Exército nacional libanês não deveria desempenhar esse papel?

Porque não temos recursos suficientes. Israel é ajudado pelos EUA. Nós estamos endividados. Temos de defender nosso país com a guerra do pobre contra o rico, que é a guerrilha.

Ainda há lealdades sectárias no Exército libanês?

Há divisões, que não são mais políticas. O Exército tem as mesmas sensibilidades que o povo. Mas, enquanto cumpre missões, sua lealdade é ao país.

As milícias da época da guerra civil ainda têm armas? Quais?

Sim. Metralhadoras, foguetes antitanque de uso manual, morteiros. Mas há um desequilíbrio de forças. É por isso que há calma. Nunca teremos luta dentro do país.

Desequilíbrio em favor do Hezbollah?

Sim. Mas não para fazer guerra dentro do país. Essas armas são para defender o território libanês. Mas com certeza serão usadas se eles forem atacados por trás.

O sr. tem um grupo armado?

Não. Apoio o Exército.

O sr. não se preocupa com a influência do Irã sobre o Líbano por meio do Hezbollah?

Não. O Irã fala persa, não árabe. Está a 3 mil quilômetros daqui. Não vizinho. Não têm influência. Mas sentimos que é um país amigo, porque resiste à ocupação israelense. O que não é bom para Israel é bom para nós.