Título: Pensamento econômico vira refém da crise
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/05/2011, Economia, p. B11

Imperfeições do mercado desafiam economistas e levam à busca de novo consenso, em que BCs têm de vigiar bolhas especulativas

Além de bancos, países, trabalhadores e políticos, a crise financeira global também incorporou ao seu rol de vítimas a macroeconomia, a ciência que busca entender o funcionamento total de uma economia e de seus grandes componentes, como PIB, inflação, consumo, investimento e taxa de desemprego.

David Goldman/The New York Times-9/2008Início. Funcionários do Lehman Brothers reunidos em setembro de 2008: começa a crise Algumas das crenças mais estabelecidas nas últimas décadas, como as funções do Banco Central (BC), o funcionamento dos mercados e a relevância dos modelos matemáticos de macroeconomia foram postos em xeque, balançando os alicerces acadêmicos e provocando perplexidade e polêmicas entre os pesquisadores.

Para o economista Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças, a crise da macroeconomia precede a crise global. Ele nota que, recentemente, uma comissão de cinco prêmios Nobel de Economia escolheu os 20 melhores artigos acadêmicos dos 100 anos de existência da prestigiosa publicação American Economic Review. O trabalho mais recente datava de 1981.

"Isso parece indicar que há uma estagnação no pensamento econômico nos últimos 30 anos", diz Bacha.

Ele atribui o marasmo ao fato de que nesse período instalou-se na pesquisa econômica acadêmica a hegemonia dos modelos dinâmicos de equilíbrio geral, ferramentas de matemática muito complexa que funcionam como abstrações da economia real. Essa predominância foi coroada, e reforçada, pelo fato de que eles acabaram por gerar a modelagem aplicada pelos bancos centrais nos sistemas de metas de inflação, incluindo os BCs sem metas explícitas, como o Federal Reserve (Fed, dos Estados Unidos) e o Banco Central Europeu (BCE).

Esses modelos, porém, são vistos por muitos especialistas, como Kenneth Rogoff, de Harvard (ver entrevista na página B10), como uma das causas da crise. Por meio deles, grandes estrelas acadêmicas, incluindo diversos prêmios Nobel, desenharam uma economia de mercados eficientes e perfeitos, sem lugar para bolhas financeiras, e em que o equilíbrio sempre é alcançado.

Para alguns críticos, o que era para ser uma ferramenta de simulação e de tentativa de compreensão das interações entre as principais variáveis econômicas acabou se transformando numa espécie de arma ideológica da visão liberal do mundo, pela qual os mercados devem funcionar com o mínimo de regulação e de interferência do governo.

Para Bacha, porém, o que incomoda nos modelos dinâmicos de equilíbrio geral é que "além de serem muito matematizados, eles são muito codificados, e você tem de trabalhar rigidamente dentro das suas regras".

Nesse sentido, ele acha que não está havendo nenhuma mudança substantiva na macroeconomia depois da crise global. Na sua visão, os pesquisadores acadêmicos continuam mais aferrados do que nunca à abordagem dos modelos de equilíbrio geral. A única mudança, continua Bacha, é que agora tenta-se incluir nos modelos as imperfeições do mercado financeiro, que estiveram na raiz da grande crise global.

Imperfeições. O alemão Markus Brunnermeier, professor de Economia da Universidade Princeton, nos Estados Unidos, é uma das principais estrelas no esforço de incluir as imperfeições do mercado financeiro nos modelos macroeconômicos. Hoje ele está envolvido tanto com o Fed quanto com o BCE.

Brunnermeier explica que a importância do seu trabalho com os modelos está ligada à mudança do papel dos bancos centrais trazida pela crise global. "O mundo anterior era simples, havia apenas uma meta, de inflação, e um instrumento, que é a taxa de juros de curto prazo (taxa básica, definida pelos BCs)", disse o economista, em entrevista ao Estado.

A crise mudou essa realidade de diversas maneiras. Com a ameaça de depressão, e depois de já ter jogado a sua taxa básica para praticamente zero, o Fed partiu para uma política monetária heterodoxa, comprando títulos do Tesouro de longo prazo, e inundando a economia de dólares. Essa injeção de dinheiro transbordou para fora dos Estados Unidos, criando uma liquidez excessiva em dólares no mercado internacional que valorizou fortemente as demais moedas - muitos países (incluindo o Brasil), em consequência, partiram para controles de capital.

Mas a principal mudança é que o consenso entre economistas e autoridades econômicas moveu-se na direção de que os bancos centrais, além de cuidar da estabilidade de preços, deveriam também vigiar e tentar impedir a formação da bolhas financeiras. Ainda há muitas discussões sobre como se fazer isso, mas uma ideia frequente é que taxa básica seja usada para controlar a inflação e as chamadas medidas macroprudenciais (como exigências de capital e restrições quantitativas de crédito para bancos) para controlar bolhas.

Brunnermeier explica que os novos modelos têm justamente de integrar, no funcionamento simulado da economia, todas essas variáveis da política monetária e da regulação macroprudencial, para que se possa entender as suas interações, facilitando a vida dos bancos centrais.