Título: OMC discute guerra cambial a pedido do Brasil
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/05/2011, Economia, p. B9

Proposta de discutir o assunto no órgão quebra um tabu, mas resistência de EUA, China e Europa indicam que debate pode ser apenas acadêmico

O Brasil conseguiu colocar a guerra do câmbio na agenda oficial da Organização Mundial do Comércio (OMC). A manobra dribla a resistência ao assunto no G-20 e quebra um tabu de mais de 60 anos sem que os temas cambiais fossem tratados por órgãos relacionados ao comércio.

A proposta do Brasil, modesta e apresentada com cautela ontem na OMC, sofreu resistência de Estados Unidos, China e Europa. Mas, mesmo assim, o projeto de começar um debate sobre as implicações das mudanças cambiais para o comércio foi aprovado e uma agenda de trabalho será montada para os próximos dois anos.

O governo brasileiro começou a campanha para levar a questão do fortalecimento do real e de outras moedas em relação ao dólar, depois que as mudanças cambiais começaram a afetar diretamente a competitividade das exportações nacionais. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, classificou o fenômeno de "guerra das moedas", indicando que alguns países estariam deixando suas moedas se desvalorizarem para ganhar competitividade de forma artificial.

Mantega tinha ideia de lançar uma ofensiva mais dura. No G-20, conseguiu apenas uma referência de que países se comprometiam a evitar "desvalorizações competitivas de suas moedas". O próximo passo era abrir contenciosos. Mas foi orientado pelo Itamaraty de que isso não seria possível. A opção foi introduzir o tema na OMC, pelo Comitê de Assuntos Financeiros.

Pela proposta brasileira aprovada, estudos e seminários serão realizados nos próximos dois anos para debater até que ponto o câmbio afeta o comércio. A OMC ainda fará um estudo de qual é o impacto do câmbio nas exportações de países afetados.

O embaixador do Brasil na OMC, Roberto Azevedo, explicou que nos anos 40, quando se criou o sistema comercial internacional, as taxas de câmbio eram fixas e, quando havia alguma mudança, o nível elevado de tarifas de importação permitia a correção. "Hoje, essa não é mais a realidade, e a nova situação precisa ser debatida", disse, com o apoio de países como Argentina, Canadá, Uruguai, Venezuela, Indonésia e África do Sul.

Apesar de aprovado, não há clareza sobre qual seria o objetivo do debate. A China foi uma das que cobraram uma explicação sobre o que ocorreria após todo esse processo e insistiu que, apesar de aprovar o debate, exige que ele seja apenas "acadêmico".

Rejeição. O que o Brasil não conseguiu ver aprovado foi a proposta de discutir o fato de que não há coerência entre as políticas do FMI, OMC e Banco Mundial quando o tema é a moeda. Nos anos 40, essa coerência era uma exigência e a proposta agora do Brasil era de que um estudo independente fosse realizado para comprovar se isso de fato estava ocorrendo.

Mas isso enfrentou dura resistência de vários países ricos, que não aceitam a ideia de rever mandatos do FMI e da OMC. Nos Estados Unidos, a posição declarada pelo Tesouro é de que temas relacionados com moeda devem ficar apenas no FMI. Por isso, vetaram o projeto, ao lado da China. Para a Europa, também existem riscos com o projeto brasileiro e, portanto, não haveria porque mantê-lo. Suíça e mesmo o Chile também rejeitaram a segunda proposta brasileira.

Azevedo tentou acalmar as críticas, alegando que não pretende "sequestrar" o debate sobre as moedas de entidades como o FMI. Mas, ainda assim, alertou que há uma "terra de ninguém" quando se fala sobre o tema.