Título: Mercado e novo BC vão aprender a se entender
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/05/2011, Economia, p. B6

Sérgio Werlang, vice-presidente executivo do Itaú Unibanco

Vice-presidente executivo do Itaú Unibanco e ex-diretor do Banco Central (BC), Sérgio Werlang, um dos introdutores do sistema de metas de inflação no Brasil, defende o modelo atual, mas diz que o BC do presidente Alexandre Tombini reage mais lentamente à piora das expectativas de inflação do que acontecia nos tempos em que o comando era de Henrique Meirelles, até o final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Para Werlang, no entanto, essa mudança é saudável, e o mercado financeiro e o BC de Tombini vão aprender a se entender aos poucos. A seguir, a entrevista ao Estado.

Com o sr. vê o sistema de metas de inflação, que ajudou a criar, no 12º ano de existência?

Fico feliz que, com tudo aquilo por que passamos, o sistema esteja funcionando. Para não falar da flutuação inicial em 1999, tivemos o apagão, em 2001, e a crise que levou o dólar de pouco mais de R$ 2 para R$ 4 em três a quatro meses. Tivemos mudanças de governo, de humor internacional, a crise da Lehman Brothers. E o sistema se mantém.

O sr. mudaria algo? Reduziria a meta?

Há uma razão para termos no Brasil uma meta de inflação mais alta do que no resto do mundo: a economia brasileira tem uma série de fatores de rigidez dos preços nominais. Por exemplo, os salários não podem ser diminuídos, está num artigo da Constituição. Isso não é lei, e muito menos artigo da Constituição, em muitos países do mundo. O salário mínimo tem reajuste todo o ano, no mínimo igual à inflação. Há países em que é assim, mas são poucos, não é o que acontece em média. No Brasil, o piso do salário mínimo é também o piso da aposentadoria, e portanto impacta o déficit público.

E por que essas características recomendam meta mais alta?

Na verdade, você precisa de um pouco de inflação para fazer o trabalho de, digamos assim, desgastar em termos reais (pela inflação) o que há de rígido nesses preços. Quer dizer, em termos reais, esses preços acabam podendo cair, o salário real acaba podendo cair um pouco. Não muito, é pouquinho. Só não dá para ter rigidez para baixo, que faria a economia viver permanentemente com a possibilidade de ter alto desemprego.

E quanto à margem de tolerância em torno do centro da meta, de dois pontos porcentuais para cima e para baixo?

No início, era claro que era necessário. Depois, durante algum tempo, achei que era melhor ter uma banda mais estreita. Mas, hoje em dia, observo que a economia brasileira ainda é muito sujeita a choques externos. Basta ver esse choque do aumento do preço das commodities. Então é saudável ter uma banda mais larga. Eu manteria a meta e a banda atuais pelos próximos três, quatro, cinco anos.

É bom que o BC tenha mais instrumentos, além da Selic, para controlar a inflação?

Isso se deve ao amadurecimento da economia brasileira. O principal canal de controle da demanda é o aumento da taxa de juros (Selic, taxa básica). É simples: aumenta a taxa de juros, e aí, em vez de investir ou gastar, você vai preferir aplicar em títulos públicos. Esse é o principal canal, aqui ou em qualquer lugar do mundo. Mas existem outros canais através dos quais a taxa de juros influencia a demanda agregada, e outros instrumentos sob controle do BC que também influenciam a demanda. Um desses canais é o crédito. Em 1999, quando foram feitas as primeiras estimativas, muito preliminares, com os dados então disponíveis para a economia brasileira, o canal de crédito não era relevante.

Por quê?

O crédito, em relação ao PIB, era muito pequeno naquela época, abaixo de 30%. Não era um canal relevante. O tempo foi passando, e a relação crédito/PIB foi subindo por vários motivos, como a estabilidade e as reformas institucionais nos mercados de crédito. O crédito na economia brasileira cresceu de forma razoavelmente rápida, de modo que, já por volta de 2005 e 2006, era possível identificar que a demanda respondia mais aos aumentos de juros por causa da maior relação crédito/PIB.

Que outros instrumentos o BC tem para controlar a demanda?Há os depósitos compulsórios. No Brasil, temos compulsórios elevados que, desde 1999, têm sido usados como instrumento de política de contenção e de expansão de demanda. Quando aconteceu a crise global, foi positivo o Brasil ter um sistema financeiro com grandes reservas (compulsórios) porque o BC controlou rapidamente a liquidez do sistema simplesmente liberando compulsórios. E isso não teve nenhum impacto especial nos cofres públicos, porque é tudo dinheiro do próprio setor financeiro. Por outro lado, é um pouco custoso ter compulsórios tão elevados porque isso aumenta o spread bancário - qualquer estudo mostra este efeito.

Como devem ser usados esses instrumentos adicionais do BC, chamados de "macroprudenciais"?

Se há uma bolha de crédito, o seu estouro pode ter efeitos ruins para a economia como um todo. Uma resposta possível é subir bastante o juro da economia e fazer a bolha estourar. Mas o problema dessa política é induzir uma diminuição de atividade econômica como um todo para lidar com um problema que se sabe onde está, isto é, sabe-se que está naquele segmento de crédito que está crescendo muito. Nesse caso específico, são muito válidas medidas macroprudenciais localizadas, como, por exemplo, a excelente medida que o Banco Central tomou de aumentar o capital regulatório para alguns tipos de crédito que o preocupavam, como no caso dos automóveis ou do consignado.

Essas medidas ajudam a controlar a demanda e a inflação?Não há dúvida de que têm alguma contrapartida de reduzir a demanda agregada. Mas são muito mais eficazes para lidar com aquele tipo de problema localizado.

O sr. vê espaço para se usar mais medidas macroprudenciais para controlar a inflação daqui em diante?

O nosso compulsório já tem o maior nível do mundo. Se subir, vamos ter spreads ainda maiores e mercado de crédito muito distorcido. Quanto ao capital regulatório, a única área em que você vê grande expansão é no crédito imobiliário. Mas esse o Brasil tem tão pouco que é muito saudável que cresça. Então, se o BC acha necessário, como penso que acha, conter ainda mais a demanda, a taxa de juros é mais eficiente agora.

Como o sr. vê as críticas que o mercado fez ao BC nos últimos meses?

As equipes que estão no BC variam ao longo do tempo. Houve a equipe do Arminio (Fraga, presidente de 1999 a janeiro de 2003), depois a equipe do Meirelles (presidente no governo Lula), e agora a equipe do Tombini (presidente a partir de 2011). Claramente, você pode dizer uma coisa: a equipe do Meirelles, se via a expectativa de inflação descolar um pouquinho da meta, já aumentava o juro rapidamente. No início (do governo Lula), foi muito duro, tiveram de aumentar muito o juro. E, em algumas ocasiões, o valor da inflação acumulada em 12 meses ficou abaixo (do centro) da meta de 4,5%. A equipe do Arminio era mais gradualista, e essa equipe que entrou agora também é mais gradualista do que a equipe do Meirelles. É difícil comparar a de Arminio com a atual em termos de gradualismo. O gradualismo atual é bom ou mau? Faz parte da vida, eles preferem combater a inflação mais lentamente.

Mas por que parte do mercado reagiu mal a esse gradualismo?

O que aconteceu, na mudança do governo, foi que muita gente interpretava as ações do BC com se fossem ainda as ações de um time (do Meirelles) que ficou, afinal, oito anos. Quer dizer, a equipe do Meirelles foi mudando, mas o time manteve mais ou menos o mesmo comportamento durante os oito anos. Então agora as pessoas têm de aprender a interpretar o BC com olhos que mirem essa equipe que está lá. Assim como o BC tem de entender como as pessoas reagem. É uma questão de aprendizado.

O sr. pessoalmente prefere o estilo gradualista atual ou o da equipe de Meirelles?

A gente tem que ter instituições. A minha preferência principal é que o sistema de metas seja mantido com qualquer tipo de pessoa que vá para o BC - desde, claro, que vá com a intenção de combater a inflação. O importante é a instituição ser mantida e respeitada. E eu acho que faz parte do teste dessas instituições alternâncias do tipo de pessoa que toca a política monetária do País. Então acho extremamente saudável, e o importante é que o sistema continue funcionando mesmo com preferências diferentes.

Então o BC não estaria perdendo autonomia, como alguns acham no mercado?

De jeito nenhum. Em momento algum. Nunca acreditei nisso. Não tenho nenhuma evidência. O que me dá essa segurança é que as pessoas que estão lá têm formação econômica sólida. É gente de boa formação, que já teve experiência antes, que conhece o que faz. Por outro lado, não estaríamos discutindo este assunto se não tivesse havido este aumento enorme do preço de commodities, maior do que se imaginava.

O BC está estimando quanto ele está disposto a acomodar. E as pessoas que interpretam o BC estão se perguntando quanto ele vai acomodar, e pensando que, se fosse o outro BC, acomodaria muito pouco. E aí é um aprendizado mútuo. A meu ver, de um mês para cá, ficou muito mais pacífico que o BC tem um ritmo mais lento, mas não vai deixar a inflação desgarrar, que é o principal.

Sérgio Werlang

É atualmente vice-presidente executivo do Itaú Unibanco. Foi diretor do Banco Central (BC) na gestão do economista Gustavo Franco, na década de 90, e um dos criadores do sistema de metas de inflação no Brasil.

Nascido no Rio de Janeiro, foi casado com Maria Silvia Bastos Marques, ex-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). É Ph.D. em Economia pela Universidade de Princeton.