Título: Medida é atentado a diálogo, diz Argentina
Autor: Landim, Raquel ; Veríssimo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/05/2011, Economia, p. B1
Débora Giorgi, ministra da Indústria do país vizinho, reage e afirma que o Brasil está agindo de ""forma intempestiva e sem aviso""
Em um comunicado emitido na noite de ontem, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, criticou as medidas brasileiras que dificultam a entrada de automóveis argentinos no Brasil e acusou o Ministério do Desenvolvimento brasileiro de "atentar contra o diálogo natural" dos dois sócios comerciais.
Famosa por suas posições duras em relação ao Brasil, a ministra afirmou que, "com a aplicação de licenças não automáticas para o setor automotivo, o Ministério do Desenvolvimento do Brasil está agindo de forma intempestiva e sem aviso, afetando 50% do comércio bilateral".
A ministra, conhecida como "Senhora Protecionismo", sustentou que ficou sabendo da medida brasileira por meio dos empresários argentinos. "Quando a Argentina aplicou em fevereiro passado 200 posições novas em licenças não automáticas, o governo argentino informou o Brasil dez dias antes do anúncio oficial e a medida só entrou em vigência 30 dias depois."
Ontem a Associação de Fabricantes de Automotores (Adefa) disse que a medida causou surpresa porque não houve nenhuma informação nem para as montadoras no Brasil nem na Argentina, tampouco para o governo.
Débora Giorgi também disse que as medidas "repercutem sobre um setor, como a cadeia automotiva, onde a Argentina possui um déficit crescente, que no primeiro trimestre de 2011 foi de US$ 1 bilhão e duplicou o volume do mesmo período de 2010".
A ministra, autora de várias medidas protecionistas contra produtos brasileiros, afirmou que "esse tipo de comportamento (do ministério) atenta contra o diálogo natural dos dois maiores sócios do Mercosul". "E, fundamentalmente, afeta o compromisso de equilibrar a balança comercial que as duas presidentes assumiram, para conseguir uma industrialização harmônica."
A decisão do governo brasileiro é um duro golpe às montadoras instaladas na Argentina, "meninas dos olhos" do governo de Cristina Kirchner. Analistas consultados pelo Estado em Buenos Aires indicaram que a medida mostraria que a "paciência estratégica" do Brasil com a Argentina, ao longo dos oito anos do governo Lula, teria acabado.
Destino. "O Brasil é o destino por excelência das vendas argentinas de veículos. Por isso, parece que é uma retaliação encoberta", disse ao Estado o economista Mauricio Claverí, da consultoria Abeceb. "Sem dúvida, é a forma de retaliar que mais tem efeito sobre o governo Kirchner."
"Em 2009, quando o Brasil retaliou barreiras argentinas com a aplicação de medidas contra alimentos argentinos, o efeito foi rápido e o governo Kirchner cedeu. No caso das exportações automotivas, que são o "coração" das vendas ao exterior, a resposta deve ser ainda mais rápida." Na sequência, Claverí usou uma expressão tipicamente argentina para dizer que o conflito não chegará a um ponto sem retorno: "La sangre no llegará al río (o sangue não chegará ao rio)".
Em 2010, do total de 457 mil veículos exportados pela Argentina, 370 mil foram enviados ao Brasil, o equivalente a 81% das vendas do setor ao exterior. Em dinheiro, foram US$ 5,3 bilhões, de um total de US$ 6,584 bilhões exportados ao Brasil.
Segundo a Adefa, as exportações de automóveis já estão sendo barradas na fronteira por causa do licenciamento não automático anunciado pelo governo brasileiro. "Algumas empresas já foram afetadas pela medida. Elas contavam com licenças automáticas quando fizeram os embarques, mas ao chegar à fronteira as autoridades brasileiras não liberaram a entrada", disse o secretário executivo da Adefa, Fernando Canedo.
Canedo não quis identificar queis seriam as empresas atingidas, mas a Agência Estado apurou com fontes do mercado que seriam a Mercedes-Benz, a Toyota e a General Motors. "Hoje são apenas três, mas nos próximos dias serão todas as montadoras", disse a fonte.
PARA ENTENDER
Ao longo da última década, o setor automotivo argentino saiu do inferno em direção ao paraíso. O fundo do poço ocorreu em 2002, em meio à maior crise econômica, social e financeira da Argentina, quando a produção automotiva foi de apenas 90 mil unidades, a marca mais baixa desde 1960. Mas desde 2003, o setor começou uma recuperação persistente, em grande parte por causa do mercado brasileiro. Em 2010, o país produziu 724 mil unidades.