Título: Em cartas, Argentina e Brasil trocam farpas
Autor: Landim, Raquel ; Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2011, Economia, p. B8

Pimentel convidou ministra argentina para uma reunião em Brasília, para discutir o assunto, mas ela condiciona conversa à suspensão das barreiras

Brasil e Argentina trocaram farpas por meio de correspondência diplomática, um dia após o governo brasileiro anunciar barreiras contra a importação de carros. A medida atingiu em cheio as vendas argentinas e foi vista em Buenos Aires como uma retaliação.

A ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, enviou uma carta ao ministro do Desenvolvimento do Brasil, Fernando Pimentel. Datado de quinta-feira, o documento tem seis páginas e, com um tom duro e às vezes irônico, retruca as acusações sobre protecionismo argentino e argumenta que o Brasil possui um amplo superávit com o país.

Pimentel respondeu ontem com uma carta de apenas dois parágrafos, na qual reitera "o interesse e disposição do Brasil em tratar todos os temas de interesse de ambas as partes". No texto, o ministro brasileiro convida Débora Giorgi a vir a Brasília "tratar dos temas referidos em nossas correspondências recentes".

Ontem à noite, em conversa por telefone, Débora Giorgi aceitou a proposta de discutir o conflito comercial entre os dois países. Mas deixou claro que a reunião somente será realizada se o governo brasileiro levantar as barreiras à entrada de automóveis fabricados na Argentina. Além disso, a ministra recusou a ideia de ir a Brasília e sugeriu que o encontro seja no lado brasileiro da fronteira, em Foz de Iguaçu. Segundo a agência estatal de notícias Télam, Pimentel prometeu responder em 48 horas.

Lista. Mais cedo, o gabinete de Giorgi - que é avessa aos repórteres, especialmente os brasileiros - fez questão de divulgar a carta à imprensa. A equipe de Pimentel também enviou a resposta do ministro aos jornalistas. Segundo fontes do governo brasileiro, a carta é curta, porque "não há interesse em bater boca pela imprensa".

A carta de Giorgi é uma resposta tardia a outra correspondência de Pimentel. Após queixas dos empresários brasileiros de que suas mercadorias estão com problemas no mercado argentino, ele havia enviado uma carta pelo correio à colega.

No documento, o ministro brasileiro cobrava Giorgi pelos compromissos assumidos quando os dois se reuniram em Buenos Aires em fevereiro, mas não houve resposta. Giorgi alegou posteriormente que não recebeu a carta. A equipe do ministro a reenviou por fax. A resposta só veio agora, após a retaliação.

No documento divulgado, Giorgi não menciona as barreiras impostas pelo Brasil à importação de carros, mas dá uma lista de produtos argentinos que teriam problemas para entrar no mercado brasileiro. Segundo ela, Pimentel prometeu "abordar" os problemas rapidamente quando se encontraram em fevereiro. "No entanto, até hoje não vimos soluções para nossas reclamações", escreveu.

Ela também citou a demora do Brasil em incorporar o protocolo de compras governamentais do Mercosul e voltou a reclamar dos financiamentos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para caminhões e máquinas agrícolas. Segundo a ministra, todas essas barreiras impedem o acesso de exportações argentinas ao mercado brasileiro no valor de US$ 7 bilhões - "que poderiam desaparecer com o déficit estrutural industrial argentino".

Giorgi destacou o peso da Argentina como país comprador de produtos industriais brasileiros: "Em 2010 adquirimos US$ 16,2 bilhões, muito acima do segundo cliente do Brasil, os Estados Unidos, com compras de US$ 11,2 bilhões".

No final da carta, a ministra ironizou o episódio em que ligou para o ministro Pimentel na quinta-feira, mas foi atendida pela secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. "Gostaria de ter transmitido essas considerações pelo telefone em um diálogo pessoal. Lamentavelmente, quando tentei isso fui informada que o senhor estava reunido com o embaixador dos Estados Unidos. E, com certeza, as múltiplas ocupações que temos nós, ministros, o impediram, posteriormente, de responder a meu telefonema", espetou Giorgi.

FRENTE A FRENTE

Débora Giorgi Ministra argentina

"Com certeza, as múltiplas ocupações que temos nós, ministros, o impediram, posteriormente, de responder a meu telefonema."

Fernando Pimentel Ministro brasileiro

"Reiteramos o interesse e disposição do Brasil em tratar todos os temas de interesse de ambas as partes."