Título: A Alemanha sem energia nuclear
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2011, Notas einformações, p. A3

A decisão do governo alemão de abandonar totalmente o uso da energia nuclear até 2022 foi comparada por ambientalistas entusiasmados à derrubada do Muro de Berlim em 1989. Apesar do exagero da comparação, a medida tomada esta semana pelo governo de coalizão chefiado pela chanceler Angela Merkel representa uma virada histórica notável. O custo da mudança da grade energética nos próximos 11 anos, porém, será pesadíssimo e tem sido comparado ao da reunificação da Alemanha em 1990. Estima-se que foi gasto 1,3 trilhão de euros na reconstrução da Alemanha Oriental. A transformação da infraestrutura energética em todo o país em um período relativamente curto poderá ser mais cara. A indústria já advertiu o governo de que é preciso agir com cuidado para não prejudicar a competitividade internacional da Alemanha e, naturalmente, a massa dos consumidores reagirá a uma grande elevação de tarifas. Como tudo isso será equacionado é uma questão em aberto.

Mas, neste momento, a principal preocupação do governo é a necessidade de dar uma satisfação ao povo alemão, depois da onda de protestos contra a energia nuclear que se seguiu ao desastre de Fukushima no Japão. O governo já havia decidido, em março deste ano, colocar "em hibernação" sete usinas nucleares mais antigas, que deveriam passar por uma inspeção técnica de três meses de duração. Mas ainda mantinha o plano de prolongar a vida útil das usinas nucleares em operação até 2036. Pressionada por integrantes de seu próprio governo e levando em conta os maus resultados de seu partido nas eleições regionais, a chanceler Angela Merkel radicalizou sua política nuclear, alegando que se baseou no parecer de uma comissão de alto nível que vinha examinando questões éticas ligadas à energia nuclear.

Resolveu-se agora que as usinas sob inspeção não voltarão a operar e que outra, em piores condições, será também desativada imediatamente. A decisão do governo deve ainda passar pelo Parlamento, mas há tanta certeza de que será aprovada que o ministro do Meio Ambiente, Norbert Röttgen, já estabeleceu um cronograma. Das nove usinas restantes, seis serão fechadas até 2021 e outras três no ano seguinte. E não haverá volta atrás, disse ele.

O problema, naturalmente, é como promover a mudança sem aumentar a dependência do carvão, que já responde por 47% da matriz energética alemã, e a importação de combustíveis. O governo considera que 10% do consumo pode ser reduzido melhorando-se a eficiência de máquinas e equipamentos. O restante deverá ser suprido basicamente por energia eólica e outras fontes renováveis, como energia solar, hidreletricidade e biomassa.

Mesmo em um país rico como a Alemanha, não será fácil a transição. Além das compensações a serem pagas às empresas geradoras e dos gastos com a disposição final de reatores e de materiais físseis, investimentos bilionários deverão ser feitos em fontes de energia renovável. Além disso, a Alemanha deixará se ser autossuficiente em eletricidade, tendo de importá-la durante o período de transição. Ironicamente, um dos fornecedores poderá ser a França, que gera 80% de sua eletricidade em usinas nucleares.

A decisão do governo alemão dará mais força aos movimentos ambientalistas em outros países, hoje mobilizados contra a energia nuclear. No Grupo dos Oito, somente a Itália, depois do desastre de Chernobyl em 1986, rejeitou por referendo a opção nuclear. E Fukushima apenas começa a produzir efeitos. A Suíça, por exemplo, já anunciou que vai desativar suas usinas nucleares até 2024. Outros países terão de redobrar as medidas de prevenção e segurança quanto a instalações nucleares. A isso se comprometeu o Brasil.

Se a Alemanha, sem a energia nuclear, conseguir não aumentar a poluição com o maior uso de combustíveis fósseis, fará realmente "uma revolução", como disse a chanceler Merkel. A maior contribuição será o desenvolvimento de tecnologias para o aproveitamento de fontes alternativas de energia, notadamente a eólica e a solar, mais baratas e mais acessíveis aos países mais pobres.