Título: Ataque rebelde à sede do governo fere presidente e amplia crise no Iêmen
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/06/2011, Internacional, p. A14

Confrontos entre forças leais ao ditador e membros de tribos agravam-se nas ruas de Sanaa, que continuam lotadas de manifestantes que pedem a saída do presidente; ofensiva da oposição com granadas de morteiro deixa também 7 mortos e 9 feridos

Membros de tribos iemenitas atacaram ontem o palácio presidencial do Iêmen com granadas de morteiro e feriram o ditador Ali Abdullah Saleh e outros oito membros do governo. Sete pessoas morreram na ação, a mais ousada da oposição desde o início dos protestos pela queda do ditador, que está há 33 anos no poder. Em mensagem de áudio, Saleh responsabilizou a tribo Al-Ahmar, que há 12 dias luta contra forças do governo, pelo ataque.

Hani Mohammed/APRevolta. Manifestantes lotam ruas de Sanaa pedindo a renúncia de Saleh Após um canal de TV da oposição ter anunciado a morte do presidente, a TV estatal iemenita informou que ele sofrera apenas ferimentos leves no pescoço. Saleh recebeu os primeiros cuidados médicos no palácio presidencial e depois foi levado para o hospital do Ministério da Defesa. "Não há problemas com a saúde do presidente", disse o vice-ministro da Informação, Abdu al-Janadi.

O governo tinha anunciado, após o ataque, que Saleh faria uma aparição pública, mas ele gravou uma mensagem em áudio, divulgada à tarde. "Os responsáveis são foras da lei e agentes da traição", disse o presidente. "São golpistas que não têm vínculo com as manifestações."

Ainda de acordo com Saleh, o ataque teria sido lançado durante um cessar-fogo entre a confederação Hashid, o principal grupo tribal do Iêmen, liderado pela família Al-Ahmar, e o governo. "Esses criminosos infiltraram-se no Estado", disse. Saleh garantiu que vai se recuperar. "Se vocês estão bem, eu estou bem", afirmou.

O ditador e assessores participavam das orações de sexta-feira na mesquita do palácio presidencial quando três granadas foram lançadas contra o complexo e uma delas atingiu o prédio. "Foi um ataque desleal. Os Al-Ahmar superaram todos os limites", acrescentou a presidência iemenita em um comunicado.

Morreram no ataque três guarda-costas, o imã da mesquita presidencial e o chefe de segurança de Saleh, Mohamed Jatib. O presidente do Senado, Yehia al-Rai, e o governador de Sanaa, Neeman Duid, estão gravemente feridos. O primeiro-ministro Ali Mohammed al-Muyawar e outros cinco membros do governo tiveram lesões leves.

Saleh está há 33 anos no poder graças à sua habilidade em costurar apoio entre as diversas tribos do país. Mas, com os levantes da primavera árabe iniciada este ano, o descontentamento de setores da sociedade iemenita levou em março a tribo Al-Ahmar, da qual o próprio Saleh faz parte, a se juntar aos manifestantes que tentam depô-lo pacificamente.

Quando Saleh resolveu antagonizar a tribo, há quase duas semanas, seus combatentes se rebelaram e pegaram em armas contra o governo. Os enfrentamentos agravaram-se, na última semana com um ataque de tropas de Saleh a residências de líderes tribais. Até agora, 160 pessoas morreram, e, para alguns analistas, o país se aproxima de uma guerra civil. "Saleh foi atacado por ter ameaçado a família Al-Ahmar. Foi um grande erro", disse o líder da oposição Hassan Zeid à rede de TV Al-Arabiya.

Protestos. Nas ruas de Sanaa, também ocorreram confrontos ontem. Tropas de Saleh bombardearam as casas de Hamid al-Ahmar, irmão de Sadeq al-Ahmar, o chefe da tribo, e do general Ali Mohsen al-Ahmar, favorável aos rebeldes, em represália ao ataque dos dissidentes a prédios públicos na noite anterior.

No Distrito de Hasaba, onde moram muitos membros da tribo, rebeldes foram alvos de atiradores de elite do governo, que dispararam de morros próximos. No sul da cidade, dissidentes armados com metralhadoras e granadas propelidas por foguetes trocaram tiros com soldados do governo, forçando os moradores que estavam nas ruas do bairro a fugir. Em Taiz, ao sul da capital, policiais feriram dois manifestantes.

Enquanto partidários de Saleh marcharam em apoio ao ditador perto do palácio presidencial, dezenas de milhares de manifestantes reuniram-se em uma praça de Sanaa e em outras cidades para pedir a renúncia dele. Muitos carregavam caixões de vítimas dos últimos confrontos. O imã Taha al-Mutawakil acusou o ditador de usar o levante tribal para derrotar a revolta popular. "Ele quer acabar com a revolução e mostrar ao mundo que se trata de um confronto pessoal entre ele e Al-Ahmar", disse.

Idas e vindas. A crise no Iêmen esteve perto do fim em maio. Um acordo negociado pelo Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) - grupo de monarquias árabes capitaneado pela Arábia Saudita - propôs a saída do presidente por meio da concessão de anistia para ele. Mas Saleh se recusou a assiná-lo três vezes.

O secretário-geral do CCG, Abdul-Latif al-Zayani, mediador do acordo, pediu o fim dos confrontos no Iêmen. "Isso não beneficia ninguém e o maior perdedor é o povo iemenita", afirmou à TV Al-Arabiya.

Repercussão. Em Washington, a Casa Branca condenou os confrontos no Iêmen. "A violência não pode resolver os problemas pelos quais o Iêmen está passando e os acontecimentos de hoje (ontem) não podem justificar novos confrontos", disse o governo americano, em um comunicado divulgado ontem.

A Casa Branca prometeu ainda continuar os esforços conjuntos com os governos da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos para pôr fim à crise no Iêmen.

A União Europeia, por sua vez, defendeu a saída do ditador. "Saleh deve escutar as demandas populares e deixar o poder", disse a chefe da diplomacia do bloco, Catherine Ashton. O Iêmen é um dos principais aliados do Ocidente na luta contra o terrorismo e sede da Al-Qaeda na Península Arábica.