Título: É preciso facilitar a multinacionalização
Autor: Saraiva, Alessandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/06/2011, Economia, p. B7

Se o BC dividisse com o setor privado a tarefa de acumular reservas, o câmbio se estabilizaria e ajudaria a indústria local

Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo Investimentos

Uma segunda abertura do Brasil para o mercado internacional é defendida pelo ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Rio Bravo Investimentos, Gustavo Franco. Para estabilizar o câmbio em nível mais razoável ao desenvolvimento da indústria local, ele sugere a remoção das restrições aos brasileiros que buscam adquirir ativos no exterior.

Com uma medida nesse sentido, argumenta, o Banco Central poderia dividir com o setor privado a incumbência de reter reservas internacionais. Franco comenta que a estratégia do governo de conter o avanço da inflação, tem atraído mais dólares ao Brasil e contribuído para o que considera "o excesso de uma coisa boa". A seguir, trechos da entrevista concedida à Agência Estado.

O Conselho de Política Monetária (CMN) define este mês a meta inflacionária para 2013. Há espaço para mudança do atual patamar de 4,5% ao ano?

Sem dúvida, 4,5% é muito. Acho que temos várias escolhas abertas. Uma é de reduzir; a outra é de estabelecer uma mecânica de metas de médio prazo, multianuais. Ou seja, estabelecer um horizonte de três anos, de cinco anos, em que teremos de chegar a 2%, por exemplo. Mas acho que é preciso olhar um pouco além do próprio sistema de metas. Hoje, o problema número um que a economia tem é a taxa de juros. É a maior do mundo há muitos anos. Esse é o grande desafio, e ele não deve ser pensado como consequência direta de uma meta de inflação ambiciosa. Um raciocínio simples leva a pensar que sim. Leva as autoridades a ficarem presas a uma meta de inflação muito leniente, como a de 4,5%

O que poderia ser feito para reduzir a taxa de juros real?

Acho que a experiência já é útil sobre o caminho a seguir. O Banco Central, em suas apresentações habituais, sempre traz um gráfico muito interessante sobre a taxa de juros real ao longo do tempo. Ela experimenta uma queda tendencial muito relevante, a despeito de suas flutuações decorrentes dos momentos em que o regime de metas exigiu que o BC fosse mais ou menos agressivo, subindo ou descendo (a Selic). O fato é que há uma queda tendencial de juros que reflete os fundamentos da economia, uma situação fiscal do governo melhor. Longe da ideal, do meu ponto de vista. Em um país como o nosso, onde o governo é fundamental, a política de juros praticamente se confunde com a política de dívida pública. Se melhoramos a situação fiscal, isso melhora também as potencialidades para reduzir juros.

No combate à inflação, a estratégia do governo está focada demais em política monetária, em detrimento de ajuste fiscal forte?

Sim, em letras maiúsculas. Regredimos no assunto fiscal desde a crise de 2008. A crise serviu como álibi para liberar restrições que estavam em vigor desde então, e que causavam melhorias na situação fiscal e na condução de juros. Topicamente, naquele momento, foi uma crise externa de viés deflacionista. Então, pudemos, contrariamente ao que se passou em outras crises, reduzir os juros, em vez de subir. Mas, passada a crise, a situação fiscal está pior do que antes. E é por aí que devíamos centrar esforços de combate à inflação.

A política do governo de reajuste do salário mínimo prejudica o combate à inflação?

Não tenho simpatia por essa regra de reajuste que foi adotada (inflação do ano anterior, medida pelo INPC, somada ao porcentual de crescimento do PIB de dois anos antes). Criamos uma bomba. E aí o resultado de fazer essa política vai ser mais juros (para combater a inflação). É uma bondade mais aparente do que real. Ou vai gerar inflação, ou vai elevar juros.

E quanto às medidas macroprudenciais? São eficazes no combate à inflação?

A relevância é muito pequena. Acho que é um nome bonito para uma prática antiga no Brasil, que é, principalmente, a de usar os compulsórios e os direcionamentos de crédito. Nenhum outro país do planeta utiliza compulsórios como o Brasil, nem direcionamento de crédito. Só a China. E em vez de chamar isso de repressão fiscal e resolver esse problema como uma distorção, agora virou virtude. Acho que está tudo errado.

Este ano, as importações estão ajudando a segurar a inflação. Isso tende a continuar?

Há uma tendência muito clara da taxa de câmbio real brasileira para baixo. Se recuarmos a meados dos anos 80, isso se torna mais flagrante. Não há nada de artificial nisso. É o retrato de uma economia na qual os fundamentos estão melhorando e aconteceu com outros países que transitaram da posição de subdesenvolvido para a de emergente e mesmo para desenvolvido. Mas têm coisas que podemos fazer para diminuir o problema. E a primeira delas seria reduzir juros. Porém, não conseguimos isso com o problema fiscal do tamanho que é hoje. Ao contrário, estamos tendo de aumentar a taxa de juros e, portanto, agravar o "problema" cambial. Entre aspas, pois é um paradoxo: o excesso de uma coisa boa. O dólar sempre foi um problema para o País. Olhamos o déficit em conta corrente com preocupação; fazemos políticas para reduzir esse déficit que só faz aumentar a abundância de dólares, que vêm de todos os lados, por razões variadas, não ligadas só à taxa de juros. Poderíamos pensar um pouco mais no que outros países fizeram em situação parecida, que foi, na essência, uma espécie de mudança de paradigma nas relações com o exterior.

Como assim?

Uma espécie de abertura, onde os brasileiros pudessem constituir ativos no exterior de forma significativa. Estamos falando de empresas e indivíduos poderem adquirir ativos no exterior sem burocracia. Hoje, tudo funciona como se o BC fosse a única entidade autorizada a reter reservas internacionais. O BC poderia dividir esse trabalho, por assim dizer, se o setor privado pudesse ter ativos no exterior de forma mais fácil para que pudéssemos nos multinacionalizar com mais facilidade. Tudo isso ajudaria a taxa de câmbio a se estabilizar num nível não tão valorizado, que não fosse tão complicado para a indústria local.

Há motivos de preocupação com a grande entrada de capitais em um horizonte de longo prazo?

Esse cenário vai continuar numa perspectiva de médio prazo e, em boa medida, por culpa nossa, porque temos a maior taxa de juros. Outro ponto: não tenho objeções à utilização marginal de um certo tipo de instrumento, do IOF, usado de forma seletiva. Mas acho que a partir de certo tempo as distorções começam a ficar maiores que os benefícios. Creio que já esgotamos essa caixa de ferramentas do lado restritivo. Agora, está na hora de tratar do outro lado, de remover restrições para a saída de capital brasileiro para o exterior. Capitais especulativos, capitais em excesso fazem parte da paisagem da economia globalizada, querendo ou não.