Título: Para relator, fusão pode elevar preços em 40%
Autor: Landim, Raquel ; Inhesta, Suzana
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/06/2011, Economia, p. B3

Carlos Ragazzo diz no Cade que a operação entre a Sadia e a Perdigão é ""danosa"" ao consumidor; julgamento foi interrompido por pedido de vista

Num dos votos mais duros da história do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), o relator do caso Sadia-Perdigão, Carlos Ragazzo, reprovou a fusão entre as empresas, que criou a Brasil Foods. O julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do conselheiro Ricardo Ruiz e deve ser retomado na próxima quarta-feira. Ainda faltam quatro conselheiros para votar. As ações da BRF caíram 8,14%, incluindo as operações feitas logo após o fim do pregão.

O caso vem sendo analisado há dois anos e um mês. O negócio já passou pelo Ministério da Fazenda e pela procuradoria do Cade, que o aprovaram com sérias restrições. O voto de Ragazzo é de longe o mais rígido. Ele não só rechaçou a venda apenas de marcas de "combate" (as mais populares), como também disse que é insuficiente se desfazer da Sadia - o pior cenário com que a BRF trabalhava até agora.

"A fusão poderia provocar danos severos aos consumidores, gerando aumento de preço e inflação que compromete a renda", disse Ragazzo. "Não estamos falando de artigos de luxo, mas de comida, principalmente para as classes C e D." As concentrações de mercado chegam a mais de 50% em todos os produtos, podendo atingir 90%, segundo o Cade.

"A única concorrente da Sadia sempre foi a Perdigão e vice-versa. Com a fusão, haverá o fim da rivalidade", afirmou Ragazzo. Para o relator, o caso é de uma "gravidade rara", porque pode gerar alta de 40% nos preços de presunto e salsicha. A afirmação causou furor entre alguns representantes da empresa. Nos bastidores, alegaram que até agora não houve aumento de preços acima da inflação no mercado interno.

O relator tentou desconstruir os argumentos da BRF. Ele descartou que a fusão gere eficiências suficientes, rebateu que a operação é necessária para criar um gigante exportador e questionou o argumento de que o negócio foi a salvação da Sadia, que estava afundada em dívidas com as perdas provocadas pelo uso de instrumentos financeiros. "A Sadia não se esforçou em encontrar outra empresa que comprasse seu negócio", disse Ragazzo.

"Ridículo". Nas últimas semanas, a BRF vinha negociando um acordo com o Cade, que não vingou. Ofereceu vender as marcas Rezende, Wilson e Excelsior, além de Delicata, o que seria suficiente para "criar da noite para o dia a quinta maior empresa de alimentos do País".

Ragazzo afirmou que a proposta da BRF é insuficiente e alguns itens chegam a ser "ridículos". Ele argumentou que a oferta de ceder fábricas, fornecimento de insumos e redes de distribuição por dois anos não altera o cenário de concentração de mercado no médio prazo.

Após sete horas de leitura do voto do relator, com mais de 500 páginas, o julgamento foi adiado por uma polêmica intervenção do conselheiro Ruiz. Ele chegou a sinalizar um voto a favor da reprovação, argumentando que o acordo sugerido pela BRF era uma "coordenação de cartel", mas pediu vista do processo por uma semana.

De acordo com o vice-presidente de assuntos corporativos da Brasil Foods, Wilson Mello Neto, esse tempo será aproveitado para conversar com conselheiros que ainda não votaram. No último mês, a empresa vinha intensificando essa articulação.

"Continuamos a trabalhar numa solução negociada. Estamos otimistas de que ainda faltam quatro votos, para que não haja solução radical, como a reprovação da fusão", disse o executivo da BRF.

No início da sessão, outro fato quase interrompeu o julgamento. O Ministério Público pediu vista do processo, mas a solicitação foi negada pelos conselheiros, argumentando que o pedido foi feito fora do prazo.