Título: Comissões revelaram crimes de Fujimori
Autor: Gabeira, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2011, Internacional, p. A16

Especialistas em ditaduras e direitos humanos afirmam que a atuação de entidades do Chile e do Peru foram determinantes na extradição de líder

A extradição por parte do Chile do ex-presidente peruano Alberto Fujimori, em 2007, é considerada uma ação sem precedente na América Latina. Segundo analistas, representa "uma lição de respeito aos direitos humanos" já que, graças à atuação das Comissões da Verdade que os países formaram para apurar crimes de suas ditaduras, os argumentos para a entrega do peruano a Lima foram revelados e utilizados.

Fujimori cumpre 25 anos de prisão por ter sido considerado culpado por sequestros e massacres no Peru, nos anos 90, e responde ainda por corrupção e abuso de poder. A cientista política Glenda Mezarobba diz que a extradição do ex-presidente representou "o ápice" de um processo iniciado no Chile a partir da prisão do ex-ditador Augusto Pinochet, em Londres, em 1998.

A especialista explica que, apesar do exemplo pioneiro da Argentina - cuja Comissão sobre o Desaparecimento de Pessoas (Conadep) já forneceu argumentos para a condenação de inúmeros criminosos a serviço da repressão -, as constatações da Comissão da Verdade e Reconciliação do Chile demoraram a surtir efeito, pois Pinochet conseguiu deixar o poder como comandante do Exército, para depois assumir, em 1998, o cargo de senador vitalício.

Outro entrave para investigar os abusos da ditadura chilena foi a não anulação da lei de anistia que, como a brasileira, continua vigente. "As leis de anistia são sempre uma tentativa de preservar os criminosos", diz Glenda, observando que, em 1991, o Relatório Rettig - como ficou conhecida a conclusão da Comissão Nacional de Verdade e Reconciliação chilena - detalhou 1.151 assassinatos e 979 desaparecimentos atribuídos ao regime de Pinochet. Nos anos seguintes, o ex-ditador viveu tranquilamente no Chile até acabar preso na Grã-Bretanha, a pedido da Justiça espanhola.

"A prisão de Pinochet foi um "ponto de virada". A partir daí, o Judiciário do Chile - que, até então, era omisso nos casos de violações da ditadura - avocou para si o direito de processar o ditador de seu próprio país. Foi na esteira desse processo que a Justiça chilena aceitou extraditar Fujimori, em 2007; uma decisão inédita. Foi a primeira vez que um tribunal determinou a extradição de um ex-chefe de Estado a seu país de origem para que fosse julgado. A Corte Suprema só foi capaz de tomar essa decisão por causa da experiência construída pela Comissão da Verdade e Reconciliação a partir do fim da ditadura (1990)."

PARA ENTENDER

As Comissões da Verdade são órgãos criados por governos que sucedem a regimes repressores para investigar violações dos direitos humanos e crimes cometidos pelo Estado. No Peru, abusos de esquerdistas que combatiam o governo entre 1980 e 1992 também integraram a investigação, que atribuiu 54% das mais de 79 mil mortes do conflito ao Sendero Luminoso. O Brasil é um dos únicos países que passou por ditadura e não instaurou uma Comissão da Verdade. Um projeto de lei que determina sua criação ainda tramita no Congresso.