Título: Israel e palestinos disputam deserto
Autor: Watkins, Nathalia
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/06/2011, Internacional, p. A24

Vale do Rio Jordão integraria Estado palestino, mas Tel-Aviv diz que não retirará tropas da região, considerada vital para a segurança do país

O território onde se localiza o Rio Jordão se estende por 120 quilômetros, do Mar da Galileia ao norte do Mar Morto, e é um dos principais pontos de disputa entre israelenses e palestinos.

Muhammad Hamed/Reuters¿13/5/2011Pressão. Refugiados palestinos reúnem-se em manifestação para marcar aniversário da `Nakba¿ no Vale do Jordão, perto da fronteira com Israel O vale, pouco habitado e com uma paisagem desértica, ganhou as manchetes nas últimas semanas depois que o primeiro-ministro israelense, Binyamin "Bibi" Netanyahu, reafirmou em seu discurso em Washington que Israel não abrirá mão da presença militar na região, considerada vital para a segurança do país.

O território foi capturado da Jordânia durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e é reivindicado pelos palestinos como parte das fronteiras de seu Estado. Com exceção de Jericó, toda a área do vale é controlada por Israel, conforme estabelecido nos Acordos de Oslo, de 1994.

Críticas. No entanto, os habitantes da região têm dúvidas quanto ao futuro do vale e muitas queixas e acusações contra o governo israelense. Aos 75 anos, a refugiada palestina Amin Musa Rashaeda senta-se no chão rochoso do seu povoado, Ras al-Ouja, e observa satisfeita a construção de uma escola feita com blocos de barro, enquanto enrola seu cigarro.

Ao lado, vários de seus 40 netos brincam com bambolês, bolhas de sabão e bolas. Apesar do calor escaldante, todos vestem roupas compridas e até mesmo casacos, para proteger a pele do sol. "Não temos uma escola, um poço ou eletricidade", contou Rashaeda.

Ela não acredita que a criação de um Estado palestino possa melhorar sua qualidade de vida. "Fomos esquecidos", lamentou. Embora sejam naturalmente nômades, os 120 beduínos palestinos vivem em cabanas construídas no local há décadas, desde que, segundo Rashaeda, foram expulsos por militares israelenses da área de Ein Gedi, ao sul do Vale do Rio Jordão.

O local abriga inúmeras comunidades como essa. No entanto, em Ras al-Ouja é dia de festa. Ativistas israelenses, palestinos e estrangeiros fizeram um mutirão para fabricar blocos de barro e construir a aguardada escola. O uso de tijolos de barro é muito comum na região.

No povoado de Jiftlik, a poucos quilômetros de distância, inúmeras casas, escolas e até clínicas foram construídas com essa técnica: mais rápida, barata e mais fresca do que uma construção de concreto. Em outros vilarejos palestinos, a única forma de sustento é o trabalho nas colônias israelenses. No meio do deserto, a questão da criação do Estado palestino é secundária.

"Queremos viver com dignidade", afirmou Mahmoud al-Musa, de 56 anos, do vilarejo de Faisal, enquanto limpava uma plantação de tomates. "É claro que sonho em cultivar minha própria terra um dia, mas duvido que isso ocorra." Musa e sua família trabalham cerca de nove horas por dia e cada um ganha 70 shekels, o equivalente a US$ 20, pela jornada de trabalho.

Colonização. Um dos campos cultivados por palestinos fica na colônia Fatzael, uma das primeiras estabelecidas na região, hoje habitada por 80 famílias. A israelense Orit Artzieli criou seus quatro filhos no assentamento. Ela deixou Tel-Aviv em 1970 em busca de um lugar tranquilo e foi para o Vale do Rio Jordão atraída pelos incentivos oferecidos pelo governo israelense e pela crença de que estaria colaborando com a defesa de seu país.

"Quando chegamos aqui não havia uma só pessoa. Trabalhamos muito duro para conseguir desenvolver a agricultura e sobreviver. Agora que o deserto está florescendo, os palestinos querem a terra para eles", reclama Orit.

Assim como a maioria dos colonos israelenses, ela diz que não aceitaria viver em território controlado pela Autoridade Palestina. "Vim para cá enviada pelo governo. Na época, era consenso que não deixaríamos o vale", lembra.

Orit segue atentamente os desenvolvimentos políticos que possam influenciar seu futuro e se queixa da falta de incentivo do atual governo israelense, que, de acordo com ela, não distribui permissões para novas construções há pelo menos dois anos.

"A vida aqui se tornou tão agradável que nossos filhos deixam a colônia para estudar, mas, depois, querem voltar para criar seus filhos no clima pastoral da comunidade. Somos impedidos de expandir as casas e sofremos com isso", disse.

PARA ENTENDER

Região é corredor de segurança

Por causa de sua importância estratégica, o Vale do Rio Jordão é considerado por Israel sua fronteira oriental, fundamental para a defesa contra ataques de países vizinhos e contrabando de armas. Ele fica entre a Jordânia e as principais cidades palestinas na Cisjordânia. A maior cidade da região é Jericó, com 20 mil habitantes, controlada pela Autoridade Palestina. Desde 1967, o governo israelense estimulou a colonização do vale para a criação do que classificou de uma "barreira de segurança". Atualmente, cerca de 6 mil pessoas vivem em mais de 20 colônias estabelecidas na região. Graças à tecnologia israelense de agricultura intensiva, as condições climáticas foram superadas e hoje a principal fonte de renda da região é proveniente da exportação de tâmaras, pimenta, uvas e temperos. "A manutenção desse território é indiscutível. Em 1948, durante a Guerra de Independência, o vale foi a porta de entrada dos Exércitos jordaniano e iraquiano", disse o especialista Efraim Inbar, da Universidade Bar-Ilan.