Título: Graziano quer mudar FAO, mas verba é escassa
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/06/2011, Nacional, p. A9

Eleito contra a vontade dos países desenvolvidos, brasileiro terá orçamento inferior ao que dispunha na criação do Fome Zero

O novo diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, disse ontem que pretende começar "uma nova era" na agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para "acabar com a fome no mundo", mas admitiu que sua vitória retrata a divisão entre os países da agência. Não bastasse essa dificuldade, o ex-ministro terá um orçamento inferior ao que dispunha quando coordenou o programa Fome Zero no governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Graziano é o primeiro latino-americano a ocupar o cargo. Ele foi eleito no domingo, superando o espanhol Miguel Ángel Moratinos por 92 votos a 88. Em entrevista ontem, em Roma, o brasileiro se mostrou otimista. "Temos de dar início a uma nova era na organização. É possível erradicar a fome no mundo", afirmou Graziano. "Foi uma eleição difícil, quase um empate. Sei que houve divisão entre os países do norte e os do sul, mas isso não significa que os países desenvolvidos estejam contra."

Para o brasileiro, os membros da FAO devem ter a "mente aberta" para que a agência possa atuar de forma eficaz no combate à fome. "Existem divergências profundas entre os países - eu conheço todas elas. O que temos de fazer é buscar um mínimo de acordo e consenso para não paralisar a organização."

Orçamento. Mais que a divisão dos países membros, um dos principais desafios de Graziano é financeiro. O orçamento da FAO equivale a metade do que o ex-ministro dispunha para implementar o Fome Zero e a um terço do que o governo do Brasil destinou ao Bolsa Família só em 2010.

Com US$ 2,2 bilhões em orçamento até 2013, a FAO tem 65% desses recursos para pagar os salários do burocratas. Em 2010, o governo brasileiro gastou com o Bolsa Família o equivalente a US$ 7 bilhões. No início do Fome Zero, Graziano administrava um orçamento que era de pelo menos US$ 4 bilhões.

Para completar, Graziano já recebeu um recado direto dos Estados Unidos de que Washington dificilmente apoiará uma revisão da estratégia de combate à fome no mundo e que cortará seu orçamento ainda mais até 2013. Fontes diplomáticas europeias revelaram ao Estado que o governo americano fez o possível para impedir a vitória de Graziano. Para os EUA, o problema não seria o brasileiro em si, mas sim o fato de simbolizar mudanças nas políticas de combate à fome no mundo.

O Programa Mundial da Alimentação da ONU, tradicionalmente comandado por um americano, rejeitou em diversas ocasiões uma mudança na forma de lidar com a fome. O modelo de receber doações é considerado pela Casa Branca como o mais adequado. Hoje, esse programa tem um orçamento três vezes superior ao da FAO (cerca de US$ 6 bilhões), em grande parte financiado pelo governo americano. Mas mantém o combate à fome apenas uma como uma ação de caridade.

Colesterol. Graziano, cujo mandato começa em 1.º de janeiro de 2012 e termina em julho de 2015, também mencionou ontem a volatilidade do preço dos alimentos e o desequilíbrio dos mercados. "Acreditamos que a volatilidade dos preços vai continuar por muito tempo, eles vão permanecer altos por não sei quantos anos. É um desequilibro relacionado aos mercados financeiros." O brasileiro disse que dará atenção especial aos países da América Central, principalmente os atingidos por terremotos e furacões.

Questionado pela imprensa internacional sobre um eventual apoio à produção de biocombustíveis, Graziano citou uma frase do ex-presidente Lula. "É como o colesterol: existe o bom e o ruim", afirmou. Críticos dizem que o aumento da produção desse tipo de combustível poderia diminuir a disponibilidade de alimentos ou ser mais um fator de pressão sobre os preços. "O Brasil e vários outros países produzem biocombustível sem afetar a segurança alimentar." / COM AFP