Título: Bertin cria atrito entre Lobão e Aneel
Autor: Mendes, Karla
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/06/2011, Economia, p. B8

Ministro envia carta para diretor-geral da Aneel, Nelson Hübner e questiona tentativa da agência de cassar outorga de usinas do grupo

As ameaças da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de cassar as licenças de operação de usinas termoelétricas do Grupo Bertin provocaram mal-estar dentro do governo. O incômodo fez com que o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, enviasse uma carta para o diretor-geral da Aneel, Nelson Hübner, dizendo que o órgão regulador estava "extrapolando" suas atribuições e que só o Ministério poderia caçar as outorgas das usinas.

Um dos primeiros sinais de mudança da postura da agência após a carta do ministro ocorreu na terça-feira, quando a Aneel, de forma surpreendente, recuou de decisão tomada em março e reconheceu que o governo federal tem uma parcela de culpa no atraso do início de operação de seis usinas do Bertin e descontou 101 dias referentes ao tempo em que o Ministério levou para conceder a outorga. As unidades deveriam ter entrado em operação em janeiro.

A decisão vai reduzir o tamanho da dívida que o grupo tem no mercado de comercialização de energia, mas não afasta, por completo, o risco de as outorgas serem cassadas.

A insatisfação de Lobão começou em maio, quando a Aneel ameaçou caçar as licenças de duas termoelétricas do grupo em função de dívidas com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), subsidiária da Eletrobrás.

O ponto de conflito é que as autorizações para o funcionamento das usinas de Maracanaú e Borborema para o Bertin foram concedidas por uma portaria assinada pelo ministro. As autorizações das seis usinas que foram alvo da decisão da Aneel na terça-feira também são resultantes de portarias do Ministério.

"O fato é que a Aneel interferiu na decisão do Ministério e isso não poderia acontecer. A Aneel não pode revogar decisões do Ministério. A Aneel é vinculada ao Ministério; não é o Ministério que é vinculado à Aneel", disse uma fonte do governo ao Estado. "O que aconteceu é que nós tomamos uma decisão e a Aneel suspendeu a decisão. O ministério não gostou e mandou uma carta: coloque-se no seu lugar", revelou.

A situação só não "azedou" ainda mais porque o Bertin quitou as dívidas. Ainda assim, as divergências entre o ministério e a agência permanecem. Uma fonte da Aneel disse ao Estado que os atos do órgão regulador estão respaldados pela Procuradoria Especializada da autarquia.

"A lei prevê que a Aneel tem de fazer a fiscalização, mesmo quando a outorga é feita pelo Ministério de Minas e Energia. E se na fiscalização chega-se à conclusão de que a penalidade a ser aplicada é a cassação da outorga, a Aneel tem de fazer a cassação", defendeu.

Poder para cassar. O entendimento da Aneel, segundo essa fonte, é que mesmo nos casos de usinas que tiveram autorizações concedidas pelo Ministério de Minas e Energia, os poderes da Aneel para cassar as outorgas permanecem. "O entendimento da Procuradoria é que, mesmo assim, a lei fala que a Aneel tem de fazer a cassação", reforçou.

O órgão regulador está preparando um parecer para enviar ao ministro Lobão, justificando os atos da agência. Segundo essa fonte, porém, se o Ministério quiser ter de volta essa atribuição, a agência não se opõe, mas alertou que isso provocaria mais atraso nos processos de desligamento de usinas que descumprem os cronogramas estabelecidos.

"A gente entende que pela legislação vigente a Aneel pode cassar a outorga, mas se o Ministério acha que não tem segurança jurídica para isso, podemos fazer um ajuste por meio de um decreto, por exemplo", disse.

Definição de competência. Procurado pela reportagem, o Ministério de Minas e Energia informou que a correspondência enviada à agência reguladora refere-se apenas a uma questão técnica para definição de competências. A Aneel também foi procurada pelo Estado, mas preferiu não se manifestar.