Título: A Venezuela sem Chávez
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2011, Internacional, p. A14

A reaparição de Hugo Chávez pela televisão em Cuba, onde, no mês passado, o presidente venezuelano se refugiou para tratamento médico e praticamente desapareceu, desfaz um mistério e cria outro. O homem forte da revolução bolivariana está vivo, sim, mas padece de problemas de saúde bem mais graves do que se admitia.

Quão grave e por quanto tempo a doença - um câncer, não apenas uma infecção pélvica - deve mantê-lo afastado do seu país, nem Chávez muito menos seu comissariado diz. Tampouco se sabe o que isso significa para essa nação de 29 milhões - ela também combalida por crises sérias, da inflação aguda ao surto de violência criminosa.

Agora, cabe aos venezuelanos - chavistas e desafetos - pensar o quase inconcebível. Como será a vida e obra de um país que por mais de uma década se pautou pelo gosto, improviso e destempero de um só líder, sem vez nem voz para dissidências ou instituições?

Desde o dia 10 de junho, quando Chávez embarcou para Havana com um inchaço na região pélvica e dores abdominais, a Venezuela é um país em transe. O líder de discursos épicos que governava com o microfone em punho se calou. A Venezuela tornou-se um país de mandatário fantasma, tocado desde Havana, via Twitter. Para um povo condicionado a ouvir e reagir à ventania diária, o silêncio é perturbador.

A excitação em Caracas é palpável. Chávez voltará? Se voltar, terá saúde para terminar o mandato e ainda disputar a reeleição no ano que vem? Há 13 anos, os inimigos do experimento bolivariano sonham com um momento como esse. Após o desastroso golpe contra Chávez em 2002, a oposição se redimiu.

Há três eleições e meia dúzia de plebiscitos, tenta derrubar o chavismo ou pelo menos diminuí-lo por meios legais e democráticos. Avançou, tirando dos chavistas no último pleito os superpoderes parlamentares (feito anulado, aliás, por manobras governistas que ainda garantiram a Chávez a maioria do parlamento). Hoje, porém, ninguém está cantando vitória.

A oposição queria derrotar Chávez não de cama, mas de pé. "São e salvo", desabafou o governador de Miranda, Henrique Capriles Radonski, uma das maiores esperanças da oposição nas eleições de 2012, que ainda alertou para o risco do regresso "triunfal" de Chávez, um mártir ressuscitado para gosto do povo.

Hoje, mais unida que nunca, a oposição ainda pode se vingar. Com homicídios em alta, escassez de comida, apagões e inflação em disparada, a sociedade venezuelana nunca esteve tão madura para mudanças. Em seus 13 anos de poder, que Chávez imaginou estender século adentro, ele fez questão de atropelar rivais e jamais preparou um sucessor.

Chávez talvez retorne, mas a perspectiva de sua ausência ou eventual incapacidade já joga o país num beco de poder de saídas difíceis, poucas delas legais. O vice-presidente, Elias Jaua, é o único sucessor legal, mas carece de padrinhos no núcleo duro do governo e nem sequer comanda o país como interino.

Outro que ambiciona o poder é o governador de Barinas, Adán Chávez, irmão mais velho do presidente e, portanto, barrado pela Constituição de sucedê-lo. Mas regras constitucionais nunca constrangeram a dinastia Chávez.

Ainda é cedo para prever o destino de uma Venezuela pós-Chávez, mas sua doença já arrisca deflagrar uma perigosa guerra de egos e poder. "Seria indesculpável confinarmos apenas às [OPÇÃO DE]eleições e não enxergarmos outras formas de luta, inclusive a luta armada", afirmou Adán Chávez, citando Che Guevara.

Os inimigos de Chávez sempre o consideraram repressor, autoritário e perdulário, um Midas pelo avesso que conseguia transformar tesouro em pedra. No entanto, o caudilho venezuelano sempre teve cara, endereço e enredo conhecido. A Venezuela sem Chávez pode não ter nem isso.

É COLUNISTA DO "ESTADO", CORRESPONDENTE DA "NEWSWEEK" NO BRASIL E

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