Título: Sequência de crises na Venezuela é agravada por doença de Chávez
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/07/2011, Internacional, p. A14

- O Estado de S.Paulo

Revolta carcerária que já deixou mais de 30 mortos, racionamento de energia cada vez mais rigoroso para evitar apagões, violência urbana crescente em Caracas, caos aparentemente insolúvel na saúde pública. Esses são alguns dos problemas mais urgentes dos venezuelanos, que se aprofundam desde o dia 10, quando o presidente Hugo Chávez foi submetido a duas cirurgias em Cuba para a retirada de tumores cancerígenos.

O período pós-operatório coincide ainda com as longamente esperadas celebrações do bicentenário da independência venezuelana, que Chávez pretendia converter numa vitrine nacional para propagandear seu Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV) com vistas às eleições gerais de novembro de 2012. "Sem a presença do líder que se considera a própria reencarnação de Simón Bolívar (herói da independência venezuelana e de outros países da região), a festa do bicentenário caminha para ganhar o sabor de vinho aguado", diz Vitor Fernández, analista da ONG Venezuela.

Embora pelas ruas de Caracas os partidários do presidente pareçam mais mobilizados e, portanto, mais visíveis, muitos venezuelanos não escondem o descontentamento com o governo.

Queixam-se da falta de trabalho, da situação econômica do país - que produz 3 milhões de barris de petróleo por dia, mais da metade deles exportada para os EUA - e, principalmente, da violência. Em 2009 e 2010, o índice de homicídios na Venezuela superou 70 para cada 100 mil habitantes. Quase cinco vezes maior que o índice de São Paulo e um resultado pior do que o verificado em Mogadiscio, na Somália, e em Bagdá.

"Venezuela: todos os caminhos te levam. Te levam a carteira, te levam o relógio, te levam o celular", ironiza o mecânico de manutenção Julio Sequera, referindo-se ao slogan de uma campanha publicitária do Ministério do Turismo.

Ao tentar manter o controle do governo a partir do hospital onde está internado em Cuba e evitar a percepção de que há um quadro de vácuo de poder, Chávez obteve um problema a mais.

Apesar da cautela com que abordam o caso da doença do presidente, os principais nomes da oposição venezuelana questionam a legalidade de suas ações. "O presidente viola a Constituição ao governar desde um país estrangeiro. Pela lei, ele teria de ter transferido seus poderes temporariamente ao seu vice, Elías Jaua", disse, em entrevista coletiva em Caracas, o secretário executivo da Mesa de Unidade Democrática (MUD), a principal frente da oposição, Ramón Guillermo Aveledo.

Segundo a interpretação do governo, porém, a autorização da Assembleia Nacional - de maioria chavista -, providenciada há duas semanas, é suficiente para tornar legal o governo comandado desde Cuba. O vice-presidente venezuelano disse, na sexta-feira, que Chávez poderia governar, sem delegar poderes, por até seis meses segundo a Constituição.

Para uma das prováveis candidatas à presidência na chapa da MUD, María Corina Machado, no entanto, a lei obriga que o presidente se declare em ausência temporária por 90 dias e transfira os poderes ao vice. A ausência temporária poderia ser renovada por outros 90 dias antes de se converter em ausência permanente.

"Ele não pode governar do exterior também porque isso viola o artigo 18 da Constituição, que estabelece que a sede dos órgãos do poder nacional está em Caracas", declarou María Corina em uma nota distribuída à imprensa na sexta-feira.

Em meio à confusão, o chefe do Exército venezuelano, Henry Rangel Silva, veio a público logo depois da mensagem de quinta-feira, na qual Chávez admitiu ter câncer, para dizer que "não há instabilidade no país". "Em que colabora com a estabilidade o general mais graduado da Venezuela manifestar-se a respeito dela?", questiona, em editorial de capa de seu jornal TalCual, um dos mais respeitados jornalistas do país, Teodoro Petkof.

PARA ENTENDER

A sucessão do presidente

Os venezuelanos vão às urnas no ano que vem para eleger o novo presidente do país. Antes da confirmação da doença do presidente Hugo Chávez, a grande novidade política era a unificação da oposição sob a grande coalizão da Mesa de Unidade Democrática (MUD). Nas eleições parlamentares do ano passado, o bloco conseguiu, apesar de manobras na lei eleitoral feitas pelo chavismo, acabar com a maioria qualificada até então mantida pelo Partido Socialista Unificado da Venezuela (PSUV).

No campo antichavista, o grande desafio são as primárias para definir o nome do candidato, que devem acontecer em fevereiro. Entre os cotados estão a deputada María Corina Machado e o governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles.

O candidato natural do governo é Chávez. Com a sua doença, cuja extensão e gravidade ainda são desconhecidas, já se especulam eventuais nomes para substituí-lo. O problema para seu partido é que o presidente nunca foi afeito a destacar o trabalho de seus auxiliares ou a ungir um sucessor.

O vice-presidente Elias Jaua, de 42 anos, foi líder estudantil e é considerado um chavista mais ortodoxo. Adán Chávez, o irmão do presidente, tem 58 anos, é governador do Estado de Barinas e não ocupa cargo na administração federal pelo seu parentesco com o presidente. Entre outros nomes, destacam-se o ministro de Relações Exteriores Nicolás Maduro, um dos mais antigos aliados de Chávez, no cargo de 2006. O deputado Diosdado Cabello é um dos companheiros mais antigos do presidente e o acompanha desde a tentativa de golpe de Chávez quando era coronel, em 1992.